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Este post debruça-se sobre o recente afastamento do Diretor da Escola de Dança do Conservatório por desobediência de uma ordem superior. O diretor desobedeceu e foi suspenso e afastado do cargo.

O diretor da Escola de Dança do Conservatório Nacional, Pedro Carneiro, foi afastado na sequência de um processo disciplinar instaurado pelo diretor-geral dos Estabelecimentos Escolares em maio de 2015, por incumprimento de uma ordem dada pela mesma direção-geral. A ordem era relativa à contratação de um professor para a instituição. Foi punido com 80 dias de afastamento efetivo e cessação da comissão de serviço.

Agora compete decompor e analisar as variáveis do caso.

A Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares pertence à Administração Direta do Estado. Nesta, os interesses são prosseguidos pelo conjunto de órgãos e serviços do Estado. Existe um modelo de hierarquia vertical em que existem, efetivamente, poderes de direção e disciplinar. Quanto ao poder de Direção, pode dar ordens (comandos individuais e concretos) – em que o subalterno tem o dever de obediência. Já quanto ao poder Disciplinar, pode aplicar sanções.

As escolas secundárias são um serviço local do Ministério da Educação, estando integradas na administração direta e periférica do Estado Português, possuindo competências com abrangência limitada. As escolas secundárias não possuem personalidade jurídica. Logo, a Escola de Dança do Conservatório Nacional não possui personalidade jurídica.

É estabelecida uma relação de hierarquia entre a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e o Diretor da Escola de Dança do Conservatório Nacional. Quanto à primeira há poder de direção e quanto ao segundo há dever de obediência.

Podia a DGEE emanar uma ordem que impusesse à EDCN a contratação de um docente? Quanto às atribuições (fins ou interesses que a lei incumbe as pessoas coletivas públicas de prosseguir - fora das atribuições são atos nulos (art. 161º/2/b CPA)) da DGEE, temos no Decreto-Lei n.º 266-F/2012, art.3.º/2/b) que é atribuição da DGEE Acompanhar, coordenar e apoiar a organização e funcionamento das escolas e a gestão dos respetivos recursos humanos e materiais, promovendo o desenvolvimento e consolidação da sua autonomia. Poder-se-ia sustentar que a contratação de um docente se enquadra no âmbito da gestão dos recursos humanos da EDCN, pelo que seria uma atribuição sua.

Contudo, que competências é que são atribuídas à DGEE para atingir as atribuições, mais concretamente, a gestão de recursos humanos? Antes de mais, a DGEE remete as suas competências para a Portaria n.º 29/2013 de 29 de janeiro, diploma que enuncia as competências que as suas direções de serviços possuem em articulação com a Direção-Geral. Contudo, nenhuma das competências elencadas remete para a contratação de professores ou para a gestão de recursos humanos. Como tal, o ato que a DGEE pratica ao comunicar ao Diretor da EDCN que esta teria que contratar um docente específico, não está sobre sua competência. Assim, o ato é anulável (art. 163º/1 CPA). Ocorre uma sujeição ao princípio da legalidade (art. 36º/1 CPA) de onde se retira que a competência não se presume, é imodificável, é irrenunciável e inalienável e que delimita-se em razão da matéria, da hierarquia, do território e do tempo. Assim, apesar de existir atribuição da DGEE, não há competência. As atribuições e competências limitam-se mutuamente – nenhum órgão administrativpode prosseguir atribuições da pessoa coletiva a que pertence por meio dcompetências que não são suas nem pode exercer as suas competências fora dasatribuições da pessoa coletiva em que se integra. 

A Direção-Geral com atribuições e competências para emitir tal ordem seria a Direção-Geral da Administração Escolar.

Face a esta situação o Diretor da EDCN não se poderia ter recusado a executar a ordem da DGEE. A única situação que a lei prevê em que poderia haver recusa é quando tal é crime (art. 274.º da CRP). Ora, o cumprimento da ordem da DGEE não configura um crime, pelo que o Diretor da EDCN teria de acatar a ordem. Contudo, este poderia ter impugnado o ato e solicitado a sua anulação, ao abrigo dos arts. supra.

 

 

MARTINS, CHRISTIANA, Diretor da Escola de Dança do Conservatório afastado por desobediência, EXPRESSO, 09.12.2016

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2015

 

BERNARDO TRAVESSAS

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3 comentários

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De Abel a 29.05.2017 às 09:27

O post trata uma situação que ao que parece não existiu: nunca ninguém deu ordens para que a direção da EDCN contratasse um docente específico.
Segundo as noticias que têm vindo a público, nomeadamente no Expresso, é a de que a ordem dada foi justamente no sentido de que a EDCN não deveria “recorrer à contratação de docentes para a lecionação de disciplinas para as quais possui recursos humanos disponíveis, devendo fazer uma gestão eficiente, eficaz e racional dos mesmos”. A ordem é não só legal, como de uma racionalidade básica.
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De Subturma 16 a 29.05.2017 às 11:07

Caro Abel,

Acontece que, independentemente do fundamento e motivo da ordem emanada pela DGEE, esta não possui competência legal para emitir uma ordem com esse conteúdo. Assim, a mesma é ilegal.

Com os melhores cumprimentos,
Bernardo Travessas
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De Abel a 30.05.2017 às 08:52

Não sei por que não pode!
Está a querer defender a atuação censurável e indigna da Direção da EDCN?
Está a querer dizer que a DGEstE não é superior hierárquica das Escolas?
Está a pretender dizer que as Escolas podem fazer e contratar quem quiserem e como quiserem?
Desconhece que há Lei que refere precisamente o conteúdo do teor da ordem?
Desconhece que as Direções das Escolas devem pautar a sua atuação de acordo com os princípios básicos da boa gestão dos recursos, de entre os quais se destacam os da economia, eficiência e eficácia?

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