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O direito à informação no CPA e a sua "contínua modernização"
Sabemos já que a liberdade de informação é um direito fundamental essencial e tem uma importância extrema no direito administrativo.
Referido em 1946 pela Assembleia Geral das Nações Unidas como a pedra basilar de todas as liberdades a que estas se consagram, o direito à informação é um elemento imprescindível para a fruição da liberdade de expressão e, é também, essencial para garantir a transparência e fiscalização dos poderes públicos e a salvaguarda dos direitos fundamentais.
Na nossa Constituição portuguesa, o seu art 37º garante a todos a liberdade de expressão e informação, o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações, sendo ainda articulado com o direito de participação na vida pública (48º CRP). Chegamos ao “direito à informação administrativa” no Título da Administração Pública, no seu art 268º nº 1 (dimensão procedimental) e nº 2 (princípio da administração aberta); sendo que, de acordo com JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, ambos materializam um princípio geral de publicidade ou transparência da Administração Pública, em concretização do princípio do Estado de Direito democrático.
Para além da CRP e do CPA, temos, no ordenamento jurídico português, outros diplomas legais avulsos dedicados em proteger o direito à informação administrativa, sendo que os principais são a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei 46/2007, de 24 de Agosto) e a Lei da Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 67/98, de 26 de Outubro)[1]. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e a Comissão Nacional de Proteção de Dados têm tido um papel bastante importante quanto à defesa do “direito à reserva da intimidade da vida privada dos cidadãos-administrados, ponderando sempre os valores (conflituantes) da abertura e transparência administrativa e da garantia do acesso dos cidadãos à informação procedimental”.
Quanto ao procedimento administrativo, falamos numa “modernização” do direito à informação pois com a reforma do CPA deu-se um enorme relevo à informação eletrónica, desenvolvendo-se uma nova norma agora incluída nos princípios gerais sobre a atividade administrativa com a epígrafe “Princípios aplicáveis à administração eletrónica” (14º).
O direito à informação demonstra, desde logo, a sua importância no direito administrativo pela sua relevância nos princípios gerais da atividade administrativa (Capítulo II do CPA).
Princípio da prossecução do interesse público (4º) – a Administração Pública deve cumprir o interesse público de forma atualizada, para garantir uma satisfação adequada das pretensões informacionais dos administrados (daí que o recurso à tecnologia seja importante);
Princípio da boa administração (5º) – este art refere que a Administração Pública se deve pautar por critérios de eficiência, economicidade e celeridade e, para tal, esta deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, então daí que se ponha em prática a utilização de meios informáticos e de procedimentos eletrónicos onde o direito à informação (eletrónica) seja garantido;
Princípio da boa-fé (10º) – visto que todos os sujeitos se devem pautar pelas regras da boa-fé, o exercício dos deveres de informação por parte dos órgãos administrativos terá de ser pleno, sem lacunas, desvios, incorreções ou incoerências suscetíveis de violar o direito à informação dos particulares ou suscitar dúvidas;
Princípio da colaboração com os particulares (11º) – a colaboração dos órgãos da Administração Pública com os particulares surge pela prestação de informações e dos esclarecimentos de que estes careçam e, igualmente, pela receção de sugestões e informações destes;
Princípio da participação (12º) – uma participação “adequada, pertinente e valiosa tanto para os particulares como para os membros da Administração Pública” só se verificará se a informação e o modo como ela se procede garantirem aos particulares o conhecimento pleno das decisões em causa (“o que se torna visível de forma muito particular na audiência dos interessados”);
Princípio da administração aberta (17º) – no antigo CPA, este princípio constava do art 65º, ou seja, era exatamente o último art do Capíulo II – “Do direito à informação” da Parte III – “Do procedimento administrativo”, sendo que, atualmente, este princípio está exposto nos Princípios gerais da atividade administrativa. Concluindo-se, então, que ganhou uma nova dimensão (uma “dimensão normativa reforçada”), ganhou mais exposição e importância. Com a revisão do CPA, entre outras alterações a este art, a mais relevante – sendo também aquela que se conecta ao meu tema - foi o aditamento de um novo fundamento para a exclusão do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, constituído pelo sigilo fiscal (que serve os direitos dos particulares mas também incide sobre o lado da Administração[2]; ele engloba também a reserva da intimidade da vida privada e familiar dos particulares (26º CRP) e ainda o sigilo profissional dos dirigentes, funcionários e agentes da Administração tributária);
Princípios aplicáveis à administração eletrónica (14º) – um art novo no CPA, completamente dedicado aos meios eletrónicos e, ocorrendo assim, uma modernização e atualização por parte da Administração (aprofundar-se-á no ponto 4).
A nova regulamentação do direito à informação no nosso CPA cria impacto, direta ou indiretamente, sobre alguns regimes/normas.
O Regime da relação jurídica (Parte III, Capítulo II do novo CPA) é o primeiro aqui enunciado, pois com a exposição deste regime (e desta epígrafe) entende-se que os particulares passaram a ser vistos como cidadãos, titulares de verdadeiros direitos subjetivos perante a Administração (VIEIRA DE ANDRADE). Daí que VASCO PEREIRA DA SILVA há muito defenda a adoção da relação jurídica como conceito central do direito administrativo, até porque tal permite resolver a diversificação das formas de atuação da Administração moderna na medida em que, independentemente da forma de atuação escolhida, existirá sempre uma relação jurídica administrativa.
- Sujeitos do procedimento: o auxílio administrativo entre os diversos órgãos administrativos pressupõe diversas formas de comunicação e informação adequadas entre eles (Princípio da cooperação entre entidades administrativas, art 51º); disponibilizando, por exemplo, “documentos ou dados cujo conhecimento seja necessário à preparação da decisão” mas havendo “restrições fixadas na legislação sobre o acesso aos documentos administrativos” (66º)
- Os interessados no procedimento: “quanto maior densidade possuir a informação de base e quanto mais intensivo for o contraditório dos argumentos pro e contra, maior probabilidade haverá de o procedimento administrativo produzir a decisão correta”[3], daí a necessidade dos interessados serem chamados a intervir e prestarem toda a informação necessária, assegurando-se assim também a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos
- Garantias da imparcialidade
O Regime da audiência dos interessados: concretiza o princípio da participação e possibilidade de os particulares e as associações intervirem na formação das decisões que lhes digam respeito; do art 121º retiramos que o CPA continua a consagrar o princípio da dupla decisão, que consiste na obrigação de o órgão responsável pela direção do procedimento informar os interessados sobre o sentido provável da decisão final (elaboração de um projeto de decisão devidamente fundamentado) e só depois a Administração deverá tomar essa decisão, dando assim uma verdadeira utilidade à audiência dos interessados
O Regime das notificações: estas são uma forma de dar conhecimento (informação) aos interessados, em termos pessoais, oficiais e formais (110º e 114º).
Em matéria de direito à informação no novo CPA, a principal novidade é, sem dúvida, a dos procedimentos eletrónicos e o papel da informação eletrónica.
No ponto 5 do Preâmbulo do Decreto-Lei que aprovou o CPA 2015, assume-se que se “pretende ir ao encontro da importância que os meios eletrónicos hoje assumem, tanto nas relações interadministrativas, como nas relações da Administração Pública com os particulares”, daí a importância dada a estes desde logo pela introdução do art 14º, com a epígrafe “Princípios aplicáveis à administração eletrónica”, nos princípios gerais da atividade administrativa.
O “dever” de utilizar meios eletrónicos, exposto no nº 1 do art 14º, terá de ser articulado às disposições do CPA respeitantes à atividade da Administração Pública (essencialmente no tocante à instrução de procedimentos, 61º), e também à sua relação com os interessados. Assim, o recurso a meios informáticos torna-se um processo de relação entre a AP e os interessados, tornando também os processos mais imediatos ou mais seguros e com uma diminuição da burocratização (princípio da desburocratização interligado ao balcão único eletrónico, exposto no art 62º do novo CPA[4]). Ainda, no nº4 deste mesmo art, refere-se a possibilidade de os interessados utilizarem meios eletrónicos de relacionamento com a AP no exercício dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, para obter e prestar informações e para realizar consultas.
Cabe ainda enunciar a manifestação da administração eletrónica no domínio das comunicações e notificações eletrónicas: de acordo com o art 112º, para além de todas as outras formas, a notificação pode ser efetuada por correio eletrónico ou notificação eletrónica automaticamente gerada por sistema incorporado em sítio eletrónico pertencente ao serviço do órgão competente ou ao balcão único eletrónico.
Considera-se que a norma mais relevante da articulação da informação eletrónico com o direito à informação é aquela contida no art 82º/4 e 5: a Administração deve colocar à disposição dos interessados, na Internet, um serviço de acesso restrito, no qual aqueles possam, mediante prévia identificação, obter por via eletrónica a informação sobre o estado de tramitação do procedimento. Este é um grande feito no sentido de a Administração acompanhar as mudanças do século XXI e consequente modernização, relevando em termos de eficácia, simplificação, desburocratização, celeridade e agilização.
Para termos uma decisão final devidamente fundamentada, é extremamente essencial toda a informação existente. “O procedimento administrativo destina-se a servir a averiguação material fáctica e a aquisição de informação relevante para a tomada da decisão, cuja expressão mais significativa repousa no princípio do inquisitório, assentando a respetiva operacionalização na instrução procedimental (115º e ss)”[5].
Evidenciamos o papel decisivo que a informação eletrónica passará agora a desempenhar com o novo CPA; o legislador conseguiu chamar a atenção e o interesse para as novas dimensões próprias de uma administração moderna e para as novas vertentes que os direitos fundamentais dos administrados assumem na Administração Pública do séc. XXI.
Concluindo, para além de uma garantia institucional, a liberdade de expressão e informação é “um direito individual do cidadão dotado do “radical subjetivo” que a este pertence e que no caso se traduz tanto num direito de defesa como num direito de participação política” (JORGE DE FIGUEIREDO DIAS).
Bibliografia
GARCIA, Maria Glória Dias, Direito dos interessados à informação in Comentários à revisão do Código de Procedimento Administrativo, Editora Almedina, Coimbra, 2016
DIAS, José Eduardo Figueiredo, O direito à informação no novo Código do Procedimento Administrativo in Comentários ao novo CPA, 2ª ed., AAFDL Editora, Lisboa, 2015
PINHEIRO, Alexandre Sousa; SERRÃO, Tiago; CALDEIRA, Marco; COIMBRA, José Duarte, Questões Fundamentais para a Aplicação do CPA, 1ª Edição, Editora Almedina, 2016
SILVA, Vasco Pereira, Em busca do Ato Administrativo Perdido, Editora Almedina, 2003
[1] Entre outros também importantes como: Lei nº 46/2012, de 29 de Agosto (alterou e republicou a Lei nº 41/2004, de 18 de Agosto, que regula a proteção de dados pessoais no setor das Comunicações Eletrónicas); Lei nº 32/2008, de 17 de Julho (transpõe a Diretiva da Retenção de Dados, relativa à conservação de dados das comunicações eletrónicas); Lei Orgânica nº 2/2014, de 6 de Agosto (Lei do Segredo de Estado)
[2] Funcionários a quem for solicitada informação, são abrangidos pelo dever de sigilo e ainda por um direito legítimo de recusa em prestar essa informação
[3] Francisco Paes Marques, “Os interessados no novo Código de Procedimento Administrativo” in Comentários ao novo CPA, pág. 489
[4] Porque este é criado com o intuito de disponibilizar toda a informação necessária; “a partir de um único portal passa a ser possível, para qualquer pessoa ou empresa que pretenda prestar serviços em território nacional, saber quais os requisitos que tem de cumprir para o exercício da sua atividade e quais os atos e permissões administrativas de que necessita”. O Balcão Eletrónico assegura a emissão automatizada de atos meramente certificativos e a notificação de decisões que incidam sobre requerimentos formulados, de um modo simples e célere.
[5] Francisco Paes Marques, “Os interessados no novo Código de Procedimento Administrativo”, in Comentários ao novo CPA, pág. 488
Catarina Caldeira Belo
nº 23574
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