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Os sistemas de concentração ou desconcentração dizem respeito à organização administrativa de uma determinada pessoa colectiva pública; é uma questão que se coloca dentro do Estado (ou de uma pessoa colectiva pública), nada tendo a ver com as suas relações com as outras entidades; têm como pano de fundo a organização vertical dos serviços públicos (se há ou não distribuição vertical de competência). Note-se que não existem sistemas de concentração ou desconcentração puros.

  • Concentração de competência – sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados às tarefas de preparação e execução dessas decisões.
  • Desconcentração de competência – sistrema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais permanecem, em regra, sujeitos à direcção e supervisão daquele. O n. º2 do art. 257.º da CRP consagra o princípio da desconcentração administrativa. Sendo diferente da questão da centralização/descentralização (refere-se à unidade/pluralidade de pessoas colectivas públicas), cada uma desta é, de facto, combinável com a concentração/desconcentração (repartição de competência pelos diversos graus de hierarquia no interior de cada pessoa colectiva)

Vantagens e inconvenientes da desconcentração administrativa

  • Vantagens – aumento da eficiência dos serviços públicos, maior rapidez de resposta às solicitações, melhor qualidade de serviço por se permitir a especialização de funções, liberta superiores para a resolução das questões de maior responsabilidade.
  • Desvantagens – eventual inviabilização da actuação harmoniosa da Adm., risco de especialização se converter em desmotivação, eventual diminuição da qualidade do serviço pela atribuição de responsabilidade a subalternos menos preparados.

Espécies de desconcentração

Podem apurar-se à luz de três critérios fundamentais:

  • Quanto ao nível de desconcentração: a nível central ou a nível local.
  • Quanto aos graus de desconcentração: absoluta (os órgãos subalternos tornam-se em órgãos independentes) relativa (mantêm-se subordinados aos órgãos superiores – esta é a regra em Portugal).
  • Quanto às formas de desconcentração: originária (decorre imediatamente da lei) ou derivada (só se efectiva por acto específico do superior, carecendo de permissão legal expressa – traduz-se na «delegação de poderes»).

A delegação de poderes

Delegação de poderes – acto pelo qual a um órgão da Administração normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria.

Desta maneira, é requisito da delegação:

  • Uma lei que preveja expressamente essa faculdade do órgão (art. 114.º, n.º2; art. 36.º n.º1 e 2 do CPA).
  • Necessário a existência de um delegante e delegado bem como de um acto de delegação.

Figuras afins:

  • Trasnferência de poderes – forma de desconcentração originária, que se produz ope legis, é definitiva (enquanto a delegação de poderes é precária, por poder ser livremente revogável pelo delegante).
  • Concessão – tem por destinatário, em regra, uma entidade privada, e trata-se do exercício de uma actividade económica lucrativa.
  • Delegação de serviços públicos – visa transferir para entidades particulares, sem fins lucrativos, a gestão de um serviço público de carácter social ou cultural.
  • Representação – o representante pratica actos em nome do representado, e os respectivos efeitos jurídicos vão-se produzir na esfera jurídica deste.
  • Substituição – quando a lei permite que uma entidade exerça poderes ou pratique actos da esfera jurídica própria de outra entidade, de forma a que as consequências jurídicas do acto recaiam na esfera do substituído (dá-se quando o substituído não quer cumprir os deveres funcionais).
  • Suplência – quando as funções do titular de um órgão administrativo são asseguradas por um suplente (ope legis), por ausência, falta ou impedimento do primeiro, ou por vagatura do cargo.
  • Delegação da assinatura – quando a lei permite que um subalterno assine correspondência expedida em nome do órgão (mas não há delegação de poderes).
  • Delegação tácita – quando a lei, depois de definir a competência um órgão, determina que ela ou parte dela se considerar a delegada noutro órgão, se o primeiro, nada disser em contrário.

Espécies

Importa saber distinguir as espécies de habilitação para a prática da delegação de poderes, e as espécies de delegações de poderes propriamente ditas.

  • Quanto à habilitação, ela pode ser genérica ou específica. - Habilitação genérica – uma só lei permite todo e qualquer acto de delegação praticado entre determinados órgãos; sucede nos casos de delegação: no imediato inferior hierárquico, do órgão principal no seu adjunto ou substituto, dos órgãos colegiais no seu presidente
    • Actos de administração ordinária – os actos não definitivos, e os definitivos que sejam vinculados ou cuja discricionariedade não tenha significado inovação na orientação geral da entidade pública a que pertence o órgão.
    • Actos de administração extraordinária – quando se definem orientações gerais novas ou se alteram as existentes.
  • Espécies de delegação de poderes:
    • Quanto à extensão – ampla ou restrita (o autor rejeita hipótese de «delegação total»; atenção que a competência dos órgãos da Administração inclui poderes delegáveis e outros não delegáveis).
    • Quanto ao objecto – específica ou genérica (acto isolado – delegação caduca após praticado o acto ou pluralidade de actos).
    • Hierárquica e não hierárquica.
    • Delegação propriamente dita (ou de 1.º grau) e subdelegação de poderes (de 2.º, 3.º ou 4.º grau).

Regime jurídico

A delegação de poderes está genericamente regulada no CPA (arts. 44.º e 50.º); existem ainda «diplomas especiais», como a lei orgânica do Governo e a LAL, onde se encontra referência a esta figura.

  • Linhas gerais do regime jurídico da delegação de poderes:
    • Requisitos do acto de delegação:
      • Quanto ao conteúdo: devem especificar explicitamente os poderes delegados ou quais os actos que o delegado pode praticar;
      • Quanto à publicação: devem ser publicados no D.R., A falta dos requisitos de conteúdo leva à invalidade do acto de delegação; a falta dos requisitos de publicação leva à ineficácia.
    • Poderes do delegante:
      • Em que situação fica, a partir do acto de delegação, o delegante? O delegante pode revogar qualquer acto praticado pelo delegado ao abrigo da delegação – quer por o considerar ilegal, quer sobretudo por o considerar inconveniente (art. 49.º, n.º2 do CPA).
      • Requisitos dos actos praticados por delegação:
        • Os actos do delegado devem conter a menção expressa de que são praticados por delegação, identificando-se o órgão delegante (art. 48.º do CPA).
      • Natureza dos actos do delegado.
        • Os actos do delegado serão definitivos? A regra geral é de que os actos do delegado são definitivos e executórios nos mesmos termos em que o seriam se tivessem sido praticados pelo delegante. Excepcionalmente pode suceder que não o sejam, diferentemente do que sucederia se tivessem sido praticados pelo delegante.
        • Caberá recurso hierárquico dos actos do delegado para o delegante? Se se tratar de uma delegação hierárquica cabe sempre recurso hierárquico para o superior delegante. Tratando-se de uma delegação não hierárquica, não pode haver recurso hierárquico; mas a lei pode admitir um «recurso hierárquico impróprio». Se a lei for omissa, entendemos que, nos casos em que o delegante puder revogar os actos do delegado, o particular pode sempre interpor recurso hierárquico impróprio.
      • Extinção da delegação.
        • Se a delegação for conferida apenas para a prática de um único acto, praticado esse acto a delegação caduca. Há, porém, outros dois motivos de extinção – por revogação, e sem necessidade de fundamentação (art. 50.º, alínea B) do CPA); caducidade, sempre que mudar a pessoa do delegante ou a do delegado. A nossa lei encara-a como um acto de confiança pessoal do delegante no delegado.
      • Regime jurídico da subdelegação - Art. 46.º do CPA, salvo disposição em contrário, qualquer delegante pode autorizar o delegado a subdelegar. Quanto às subdelegações de 2º grau e subsequentes, a lei dispensa quer a autorização prévia do delegante, quer a do delegado, e entrega-as à livre decisão do subdelegado, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou do subdelegante.
      • Poderes indelegáveis - Artigo 45.º CPA

Natureza jurídica da delegação de poderes

Há três concepções principais acerca da natureza da delegação:

  • Tese da alienação: Rogério soares; delegação de poderes é um acto de transmissão ou alienação de competência do delegante; a titularidade dos poderes passa para a esfera de competência do delegado.
  • Tese da autorização: Marcello Caetano; competência não é alienada nem transferida; o acto de delegação visa facultar ao delegado o exercício duma competência que, embora condicionada à obtenção de uma permissão do delegante, já é uma competência do delegado (em sequência da lei de habilitação).
  • Tese da transferência de exercício: Freitas do Amaral; a competência exercida com base na delegação de poderes é alheia, decorrente da transferência do exercício dessa competência (e não da sua titularidade) do delegante para o delegado; trata-se do exercício em nome próprio de uma competência alheia.
    • Assim defende o prof. Freitas do Amaral contra as outras duas teses: Delegação de poderes não é uma alienação, porque o delegante não fica alheio à competência delegada, Delegação de poderes não é uma autorização, porque antes de o delegante praticar o acto de delegação o delegado não é competente: a competência advém-lhe do acto de delegação e não da lei de habilitação.
    • Consequências práticas da adoção da perspectiva do autor:
      • O potencial delegado não pode requerer ao delegante que delegue a sua competência.
      • Se o potencial delegado praticar actos a descoberto (sem que a matéria tenha sido objecto de delegação) tais actos estão viciados de «incompetência».
      • Sendo o potencial delegado não um órgão da Administração, mas um simples agente, se ele praticar um acto a descoberto, estaremos perante um caso de inexistência jurídica desse acto.

 

Tiago Rodrigues aluno nº26252

 

Bibliografia:

Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, Coimbra-volume 1, 4ªEdição, 2015

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Trabalho DAI - Ministério das Finanças

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O Dever de Obediência

por Subturma 16, em 17.12.16

Este post no blog prende-se com um conceito que causa alguma discussão no seio da doutrina não só nacional como também internacional. Fala-vos do Dever de Obediência, definido pelo Prof. Freitas do Amaral, como “a obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob forma legal”.

Da visão do Prof. sobressaem-se três condições basilares para estarmos perante um caso de dever de obediência. Em primeiro lugar, a ordem deverá ser emanada por um superior da mesma cadeia hierárquica; o segundo requisito prende-se com a obrigação de que as ordens sejam dadas em matérias de serviço, isto é; estas deverão ser feitas dentro das funções dos respetivos agentes administrativos e dentro daquilo que é a normal relação administrativa. Por fim o último requisito necessário está relacionado com a exigência de uma forma legal quando esta esteja prevista.

Desta conceção do Prof. Freitas do Amaral pode ser retirada a seguinte conclusão: se uma ordem, emanada por um superior, não preencher estes três requisitos, pode, em princípio, o subalterno recusar o seu cumprimento.

Até aqui não há grande discussão, a situação torna-se mais complexa e problemática quando ocorre a situação em que uma ordem, preenchendo os requisitos elencados pelo Prof. Freitas do Amaral, tem um conteúdo ilegal ou ilícito. Suscita-se então a dúvida, deverá ainda assim o subalterno acatar a ordem cujo o conteúdo é ilícito, ainda que preencha todos os requisitos?

Sobre este tema o Prof. Freitas do Amaral estabelece duas hipóteses relativas à ilegalidade das ordens do superior hierárquico. O Prof. distingue entre a possibilidade de uma ordem ser “extrinsecamente” ou “intrinsecamente” ilegal. A hipótese de a ordem ser “extrinsecamente” ilegal verifica-se quando, a titulo de exemplo, a ordem provenha de um órgão que não seja legítimo superior do subalterno ou quando uma ordem respeite a um assunto da vida particular do superior ou do subalterno, ou ainda quando a ordem tenha, por exemplo, sido dada verbalmente e a lei exija forma escrita para esse ato, nestes casos o subalterno não fica obrigado a cumprir a ordem emanada. Já a segunda hipótese, aquela que o Prof. define como “intrinsecamente” ilegal, verifica-se quando o subalterno receber uma ordem que provenha de um legítimo superior hierárquico e que se debruce sobre matérias de serviço mas que é “intrinsecamente” ilegal implicando, portanto, se for acatada a pratica pelo subalterno de um acto ilegal ou ilícito. Esta segunda questão é mais complexa e a doutrina tem defendido diversas posições para o que deve ser feito pelo subalterno nestes casos em que a ordem é “intrinsecamente” ilegal.

Para responder a esta dúvida irei-me socorrer de duas grandes correntes administrativas que se versaram sobre este tema apresentam soluções dispares, a corrente hierárquica e a corrente legalista.

A corrente hierárquica defende que existe sempre dever de obediência, não estando na mão do subalterno questionar a legalidade das ordens do seu superior hierárquico, os defensores desta corrente tendem a admitir que o subalterno poderia questionar a legalidade das ordens, é exatamente ir contra a razão de ser da hierarquia. O subalterno poderá sempre exercer o direito de respeitosa representação junto do superior expondo-lhe as suas dúvidas, mas tem sempre de cumprir com aquilo que for decidido pelo seu superior. Esta posição foi defendida por Otto Mayer, Laband, Nézard ou pelo Prof. Marcello Caetano.

Por outro lado, para a corrente legalista não há dever de obediência em relação a ordens julgadas ilegais. Esta corrente foi defendida por nomes como Hauriu e Jezé ou Orlando e Santi Romano. Esta corrente tem assim uma visão mais restritiva, uma posição intermédia e uma posição mais ampla:

  • A visão mais restritiva defende que não existiria dever de obediência se a ordem implicasse a prática de um crime.
  • Na posição intermédia o dever de obediência cessa se e só se a ordem for inequivocamente ilegal. Se houver duvidas ou mera divergência de entendimentos e interpretações quanto há legalidade da ordem, esta continua a ser imperativa e a ter de ser acatada para o subalterno.
  • Na versão mais ampla defende-se que não há dever de obediência a uma ordem ilegal, independentemente do motivo da ilegalidade, na medida em que acima do superior esta sempre a lei e o subalterno deve sempre respeitar em primeiro lugar a legalidade e só depois a hierarquia, como defende João Tello de Magalhães Collaço.

O Prof. Freitas do Amaral inclina-se para a corrente legalista – dado o princípio do Estado de Direito democrático (preâmbulo da CRP) e a submissão da Administração Pública à lei art. 266.º, n.º 2, da CRP) –, mas numa orientação moderada.

Mas como é que esta questão é tratada no nosso sistema jurídico? Na lei portuguesa, prevalece um sistema legalista mitigado, resultante dos arts. 271.º, n.ºs 2 e 3, da CRP, e 10.º do Estatuto Disciplinar de 1984. No entanto, não há dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime (art. 271.º, n.º 3, da CRP) ou quando as ordens ou instruções provenham de ato nulo (art. 162.º, n.º 1, do CPA), podendo-se chegar facilmente à conclusão de que quando através da ordem possa surgir um crime, de que quando o ato que provém da ordem é nulo ou quando falta um dos três requisitos em cima expostos, o dever de obediência cessa (opinião altamente enraizada na doutrina).

Nas hipóteses em que todas estas situações estejam excluídas, deve cessar o dever de obediência somente nos casos onde existe risco de violação da dignidade humana e de direitos fundamentais (161º alínea d) do CPA). Esta é a posição defendida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, uma vez que na sua opinião não faria sentido que só na eminencia de um crime cessasse o dever de obediência, visto que o crime constitui a mais alta e grave violação dos valores e regras do Direito, mas não constitui o único tipo de violação, a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais constituem a base da construção de qualquer ordenamento jurídico.

Para além do já exposto existe ainda dever de obediência em relação a todas as restantes ordens ou instruções, se forem dadas ordens ou instruções ilegais (ilegalidade que não constitua crime nem produza nulidade), o funcionário ou agente que lhes der cumprimento só ficará excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da execução tiver reclamado ou tiver exigido a transmissão ou confirmado delas por escrito, fazendo expressão dessa menção de que considera ilegais as ordens ou instruções recebidas conforme descrito no art. 10.º, n.ºs 1 e 2, do Estatuto, porém, quando tenha sido dada uma ordem com menção de cumprimento imediato, será suficiente para a exclusão da responsabilidade de quem a cumprir que a reclamação, com a opinião sobre a ilegalidade da ordem, seja enviada logo após a execução desta, isto de acordo com o art. 10.º, n.º 4, do Estatuto.

Se o funcionário ou agente, antes de proceder à execução, tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação da ordem por escrito, duas hipóteses se podem verificar, enquanto não chega a resposta do superior hierárquico (art. 10.º, n.º 3, do Estatuto):

  • se a demora na execução não causar prejuízo para o interesse público: o funcionário ou agente subalterno pode legitimamente retardar a execução até receber a resposta do superior, sem que por esse motivo incorra em desobediência.
  • Se a demora na execução causar prejuízo para o interesse público: o subalterno deve comunicar logo por escrito ao seu imediato superior hierárquico os termos exatos da ordem recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação deste, e logo a seguir executará a ordem, sem que por esse motivo possa ser responsabilizado.

Por fim é ainda de especial relevância e tendo em conta o anteriormente explicitado, analisar a questão que se prende com a possibilidade de o dever de obediência a uma ordem ilegal ser considerado como uma exceção ao princípio da legalidade, principio esse que impõe à Administração Pública uma ação com fundamento na lei e dentro dos limites por esta estabelecidos.

Para Prof. Paulo Otero não se trata de uma exceção ao princípio da legalidade visto o cumprimento de uma ordem ilegal resultar, neste caso, da própria lei concluindo que o que se passa é que a lei permite uma legalidade especial circunscrita ao âmbito da atividade administrativa. Já na visão do Prof. Freitas do Amaral, o dever de obediência é uma exceção ao princípio da legalidade, mas é uma exceção que é legitimada pela própria Constituição, no seu art. 271.º, n.º 3, contudo isto não significa, porém, que haja uma especial legalidade interna: uma ordem ilegal, mesmo quando tenha de ser acatada, é sempre uma ordem ilegal – que responsabiliza o seu autor e, eventualmente, a própria Administração. Sendo preferível admitir que, por razões de eficiência administrativa, a Constituição entende dever abrir uma ou outra exceção ao princípio da legalidade, a aceitar que a generalidade das ordens ilegais e dos seus atos de execução façam parte integrante do bloco de atos legais praticados pela Administração.

 

Tiago Rodrigues aluno nº26252

 

Bibliografia:

Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, Coimbra-volume 1, 4ªEdição, 2015

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A produção estável de efeitos jurídicos conformes ao direito dependerá da observância das exigências formais e materiais de que o ordenamento jurídico vem a colocar à prática do acto. Se, o facto de toda a actividade administrativa vir a estar orientada para a prossecução do interesse público, talquale se acha vertido nas letras dos arts. 266º/1 da CRP e 4º do CPA, então, será dessa sorte que a ofensa do interesse público venha indubitavelmente a desencadear reacções no ordenamento jurídico venha a originar v.g. uma ilegalidade (entenda-se em sentido amplo, não tão-só como violação da lei, mas enquanto ofensa a todo o direito). Terá sido nesta esteira que entendi comentar sobre aquilo que é ou deveria ser a prossecução do interesse público, bastante em voga e muito a propósito do último caso prático resolvido em aula. Aquilo que será concretamente a prossecução do interesse público. Ou ainda que não se consiga achar o seu concreto, pelo menos, tomar em arrepio certa linha doutrinária para se poder defender o limite, a origem e in maxime a legitimação de tal nuvem arbitrária, que é o «interesse público».
Chamando-se à colação VIEIRA DE ANDRADE, a validade do acto administrativo recortar-se-á à particularidade do acto que se constitui em conformidade com as normas jurídicas fundamentais que, em função do interesse público, vêm a regular tal actuação de autoridade, sendo, dessa sorte, habilitado e idóneo de produzir estavelmente efeitos jurídicos próprios. Nesta linha, SALGADO DE MATOS, PEREIRA COUTINHO E REBELO DE SOUSA vêm propor, pelo menos três concepções em que a querela da prossecução do interesse público com a satisfação das necessidades colectivas pela Administração Pública poderá ser construída, tendo em consideração o relacionamento da Administração pública com as posições jurídicas subjectivas.
Se se arreigar à concepção de matriz totalitária, prevê-se a prevalência absoluta da prossecução do interesse público, justificando o sacrifício dessas supra posições jurídicas subjectivas. Para DETTERBECK que defende a primazia ao aspecto legitimador do poder administrativo, o direito administrativo vem possibilitar do exercício da actividade administrativa e a realização dos interesses colectivos à custa dos interesses dos particulares, in maxime.
Se se preferir perfilhar HARTMUT MAURER, OTTO MAYER E OTTO BACHOFF então a concepção de matriz compromissória parecerá mais sensata do que a totalitária. Aqui vem a defender-se a harmonização entre a prossecução do interesse público e o respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos administrados. Que parecerá esta concepção a pedra angular para a maioritária doutrina do Direito Administrativo e com mais seguidores da doutrina nacional como PEREIRA DA SILVA, SALGADO DE MATOS, PEREIRA COUTINHO, REBELO DE SOUSA, EHRARDT SOARES.
Contrariosensu, de forma corajosa e arrojada (entenda-se) preferir-se-á, pelo entusiasmo doutrinário a concepção de matriz personalista, de GÖRG HAVERKATE e PICO DELLA MIRANDOLA, acolhida e perfilhada «bravamente» por PAULO OTERO, com um apoio minoritário na doutrina nacional. Aqui observar-se-á a prevalência sempre absoluta do núcleo essencial da dignidade da pessoa humana sobre qualquer prossecução do interesse público.
No fundo, a intenção deste comentário prender-se-á com a defesa do ponto de vista em que a função do direito administrativo terá sobretudo a função de vir garantir os administrados contra actos ilegais ou arbitrários das administrações públicas que, no Estado talquale me vejo vertido, são e vão se tornando mais poderosas. Em bom rigor, o art. 266º/1 da CRP vem juntar os dois aspectos da prossecução do interesse público com o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, parecendo-me aproximar-se mais não à matriz preferida por mim, mas à matriz da maioritária doutrina nacional com perfilhação pela regência. De todo em todo, julgo que a sede dos sistemas de garantias dos cidadãos não reside seguramente tão-só no direito constitucional! O direito administrativo pode ter aguma autonomia face ao direito constitucional, justamente in casu! É que, o direito administrativo vem possuir normas que regulam aspectos de poder administrativo, mas outrossim existem outras normas que conferem aos cidadãos direitos subjectivos, interesses legítimos e garantias processuais. Tal última querela pode ser achada do confronto entre v.g. os arts. 176º/2 versus 184º/1 do CPA.
Se dum antigo palco temporal, o direito português “andava” de mãos dadas com o direito francês, defende-se que o direito português num palco mais actual “quer é andar” de mãos dadas com o direito alemão. Em França, seduz-se com a ideia da “eficiência” stricto sensu da actividade administrativa. Contrariosensu na Alemanha, “a berra” é o regular das garantias processuais e substantivas das pessoas (concepção de matriz garantística). E será, dessa sorte, que se entende que no caso português outrossim se estará a evoluir nesse sentido (protecção das pessoas) por influência do direito administrativo alemão (cfr. art. 268º CRP).
Volvendo-se à concepção de matriz personalista da Administração Pública, vê-se propositado envolver a interpretação do art. 266º/1 da CRP num contexto do primado da dignidade da pessoa humana fixado pelo seu art. 1º, porquanto que será a própria República que se vem fundamentar na dignidade humana. Ora nesse contexto de douta interpretação, entende-se bastante viável e sensato poder admitir-se que se o respeito da dignidade humana de cada pessoa será um postulado, então nunca poderá ceder perante a prossecução do interesse público; e «pior» (entenda-se!) outrossim a prossecução do interesse público ao encontrar na dignidade da pessoa humana o seu fundamento, então encontrará, dessa sorte, o seu limite de relevância constitucional.
Se em Uma Constituição para Portugal, LUCAS PIRES vem deixar postulado que ao princípio era o Homem e não o Estado, sorte a qual «será o Estado a ter de se humanizar – não o Homem quem tem de se estadualizar», então outrossim julgo natural poder postular-se que será o interesse público que terá de ser “curvar” perante a dignidade humana e não a dignidade humana que terá que se “curvar” perante o interesse público. Em bom rigor, exeputando-se situações de concorrência ou conflito de duas ou mais pretensões cunhadas na dignidade humana, julga-se não existirem posições jurídicas adquiridas contra a dignidade da pessoa humana, nem pretensões juridicamente toleráveis! As violações da dignidade humana pela Administração Pública nunca poderiam assumir relevância positiva que viessem a servir de fundamento para a tutela da confiança ou que viessem a gerar precedentes! Dessa sorte, todas as violações do núcleo essencial da dignidade humana, julga-se gerarem actos feridos de inexistência jurídica porquanto tais actos nunca poderem vir a consolidarem-se na ordem jurídica e nunca lhes poderem ser reconhecidos efeitos de facto neles fundados.
Finalmente, a jurisprudência parece acolher «uma tal» ou «esta tal» concepção de matriz personalista da Administração Pública, in maxime de matriz garantística, limitando indubitavelmente a liberdade conformadora do legislador:
i) Em 15 de Fevereiro de 2006, a propósito da Luftsicherheitsgesetz (Lei de Segurança Aérea), o Tribunal Constitucional Alemão veio a considerar inconstitucional a norma que permitia as forças armadas abaterem um avião que, sequestrado por terroristas, fosse usado contra alvos militares ou civis;
ii) Em 13 de Dezembro de 2006, pese embora a existência de votos vencidos, usando a argumentação valorizadora da “razão de Estado”, O Tribunal Supremo de Israel veio reconhecer, demonstrando, que nem perante o caso de “bomba-relógio” se mostra admissível ao Estado recorrer à tortura contra os terroristas, em virtude de obter deles a confissão do local;
iii) Em 5 de Abril de 2013, o Tribunal Constitucional Português vem afirmar que da sorte da existência condigna vir traduzir uma emanação garantística nuclear da dignidade da pessoa humana, não se poderá de deixar de reconhecer que sempre haverá de ressalvar o núcleo da existência mínima ainda que perante o caso de emergência económica.

 

RAUL CATULO MORAIS, aluno com o número 24448

 

Referências Bibliográficas:

  • BVerfG, 1 BvR 357/05, de 15 de Fevereiro de 2006, in http://www.bverfg.de
  • The Public Committee against Torture in Israel v. The Government of Israel, Case n. HCJ 796/02, The Supreme Court of Isarel, sitting as the High Court of Justice, 13 de Dezembro de 2006, in http://elyon1.court.gov.il
  • AUGUSTO SILVA DIAS, Os Criminosos São Pessoas?, pp. 830 ss.
  • Ac. Tribunal Constitucional nº 187/2013 de 5 de Abril de 2013, processos nº2/2013, 3/2013, 8/2013 e 11/2013
  • Ac. Tribunal Constitucional de 29 de Agosto nº 474/2013
  • Ac. Tribunal de Justiça (3ª secção) de 25 de Abril de 2013, processo nº C-398/11 (Caso Hogan)
  • PAULO OTERO, A Democracia Totalitária, pp. 190 ss.
  • JOSÉ CASALTA NABAIS, Dos Deveres Fundamentais pp. 224-225 e 240 ss.
  • ROGÉRIO EHRARDT SOARES, Interesse público, legalidade e mérito, pp. 176 ss
  • FRANCISCO LUCAS PIRES, Uma Constituição Para Portugal, p. 4
  • MAZZAROLLI, PERICU, ROMANO, MONACO, SCOCA, Diritto Amministrativo, I, p. 387
  • GÖRG HAVERKATE, Verfassugslehre. Verfassung als Gegenseitigkeitsordnung, p. 142
  • GIOVANNI PICO DELLA MIRANDOLA, Discurso sobre a Dignidade do Homem, p. 51
  • IMMANUEL KANT, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, pp. 66 ss.
  • LUÍS PEREIRA COUTINHO, Do que a República é: Uma República baseada na Dignidade Humana, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque
  • J. M. DA CRUZ PONTES, Personalismo, Polis, IV, 1986, pp. 1156 ss.

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 A querela e tégula que se pretende comentar é se haverá lugar a uma maior aproximação ou distanciação entre os direitos subjectivos (DS) e os interesses legalmente protegidos (ILP), para quem vem a defender uma distinção rigorosa entre as figuras. Deste propósito, cumprirá fazer, em primeiro rogo, breve referência à Teoria da Protecção da Norma, adoptada pela regência (PEREIRA DA SILVA). Tal teoria será de raiz germânica, servindo de bengala angular em virtude de se poder ou não acharem direitos subjectivos. Dessa sorte, deverá retirar-se da previsão normativa, a protecção de um círculo de pessoas delimitado, no sentido útil de se tomar em arrepio a admissibilidade de se estar ou não perante direito subjectivo, “perguntando-se à norma” qual será o seu fim. Contrario sensu ao cordel alemão, aparece em Itália uma outra figura, depois então importada para França e Portugal: interesse legamente protegido. Se para PEREIRA DA SILVA o interesse legalmente protegido será sempre um direito subjectivo, pleno e directo «do» bem, então tomando-se arrepio à Teoria do Direito Subjectivo de MENEZES CORDEIRO, perfilhada pela Escola de Lisboa, preferir-se-á a douta senda de PAES MARQUES. Em bom rigor, prefere-se, antes, defender que não há lugar stricto sensu aos direitos subjectivos no actual ordenamento jurídico de Estado de Direito. Entende-se ousadamente lato sensu que sempre existirá uma tégula e nunca uma querela entre as figuras, porquanto tão-só serão sempre interesses legalmente protegidos. Destarte não existirão direitos absolutos (puros, ou pseudo-puros ou quase-puros!). Naturalmente, que não se pretende nem confrontar o comentário com a teoria angular civilística do direito subjectivo de MENEZES CORDEIRO, nem tampoco questioná-la. Pelo contrário. A partir dela, aceitando-a, quer-se é concluir que na teoria administrativista pura só haverá lugar ao interesse legalmente protegido. Arreigando-se, dessa sorte, os direitos subjectivos simbioticamente aos interesses legamente protegidos, não se reconhecendo ao direito subjectivo uma dignidade administrativista autónoma (entenda-se o sentido até aqui chegado!). Se para CESARIM SFORZA, GOMES DA SILVA e MENEZES CORDEIRO os direitos subjectivos devam ser entendidos enquanto permissão de aproveitamento «do» bem, conferindo, dessasorte, directa e imediatamente ao titular um poder dotado de meios que lhe permitirá a afectação jurídica «do» bem à prossecução de um interesse próprio, exigindo aos sobejos alheios sujeitos uma «atitude expectável» positiva ou omissiva, em virtude da satisfação e gozo plenos «do» bem pelo titular; então sensatamente, entender-se-ão algumas fulcrais considerações. Chamando-se à colação LUDGERO NEVES, postulando que para um interesse ser um direito subjectivo será sempre necessário que tal interesse seja directamente protegido,e dessa sorte, só se tornem fulcrais os interesses legalmente protegidos (onde se deambularão outrossim «aí» direitos subjectivos misturando-se, baralhando-se!), então em sentido muito vizinho compreender-se-á a crítica de SCHMIDT-ASSMANN à solução de direito subjectivo puro e autónomo. É que, desde logo, à invocação da expressão «permissão de aproveitamento», tal permissão vem rogar uma concretização normativista. O mesmo valerá dizer que a permissão carecerá indubitavelmente de uma previsão legal. De uma norma. Se o direito subjectivo pode «berrar» de autonomia (própria) no palco jurídico civilístico, seduzindo fulanos jurídicos potenciais titulares de poder; não se defenderá que possa dar-se ao luxo outrossim «deambular para aí e por aí» na ordem jurídica-administrativista. Será impreterível uma «boa tégula processualista simbiótica». Um natural processo de desvio normativista. Desvio normativista, porquanto face a posições jurídicas no âmbito da Administração Pública, a subjectivação careça sempre de fundamento normativo. Sendo os ILP, todas as posições subjectivas de vantagem tituladas pelos administrados, gozam de um estatuto garantístico e desfrutam de uma tutela eficaz, não se baralhando com os chamados «interesses de facto», que tão só conferem uma situação (factual) de vantagem, não sendo objecto de protecção de nenhuma norma jurídica. Pese embora, os ILP não obrigarem a Administração Pública (AP) a decidir favoravelmente no sentido bem-querido pelo fulano jurídico titular administrado, permitem sempre que a decisão se traduza na negação «ao» bem. Ora, segundo um juízo alicerçado nos postulados decorrentes da prossecução do interesse público, a existência de um ILP obrigará a AP a tomar em consideração tal posição jurídica subjectiva, ponderando-a em arrepio e respeito ao Princípio da Legalidade. Desta ponderação da AP, alguma doutrina vem a reflectir sobre a conversão do ILP em DS, doutrina que assume a distinção entre DS e ILP. Veritas se eu entendo que a AP não cumprirá a legalidade na decisão do objecto (bem) que eu intentei (reclamei), nada obsta a que outrossim eu possa exigir junto dos tribunais o acesso «ao» bem. Dessa sorte, a doutrina maioritária vem defender que a consagração de um interesse legalmente protegido terá aparelhado a atribuição de um direito subjectivo processual, enquanto garantia judicial e que o interesse legítimo converter-se-á num direito subjectivo se e só se a AP satisfizer o interesse legítimo, por intervenção decisória administrativa favorável. Já além desta «pseudo!» conversão a mesma esteira doutrinária marcelista, amaralista, vieirista, oterotista e queirozista vem a admitir uma comparação de força jurídica, entendendo o DS ser mais forte que o ILP. Tal douta linha vem a defender que a titularidade de um DS confere uma maior protecção jurídica ao fulano administrado, vinculando a AP a satisfazer a sua pretensão, afectando-lhe o bem pretendido sem margem de livre apreciação decisória entre conceder e não conceder, sem prejuízo da potencial concorrência provocada por outros DS similares e a escassez de meios financeiros aptos à satisfação, havendo, dessa sorte, in casu uma relevância operativa do conceito de reserva do financeiramente possível. De todo em todo, com o máximo respeito às oras sendas doutrinárias enlaçadas, em termos juridicamente rigorosos julgar-se-á “retrógrada” tal comparação de forças e outrossim julgar-se-á “tosca” tal conversão de ILP em DS. Se ROMANO TASSONE veio trazer a palco o «icto oculi FORÇADO E NÃO NATURAL» e as quadradas e conservadoras doutrinas vieram aproveitar a expressão para logo virem importarem à boa querela portuguesa do DS e ILP, para acusarem o fiasco da Teoria da Norma de Protecção ou não reconhecerem com a devida bem-querença as novas doutrinas ousadas e ecléticas que preferem reconduzir ou identificar as duas figuras não numa assumida querela, mas antes numa tégula; então dir-se-ia: seria mais natural admitir-se a baralhação e confluência das figura, do que FORÇÁ-LAS (entenda-se aqui o entusiasmo da capitulação com supra!) a desarreigarem-se uma da outra, quando uma (DS) no ora palco administrativista é parasita da outra (ILP), necessitando, dessa sorte, simbioticamente a primeira da última para «sobreviver» com alguma «aparente» autonomia. AROSO DE ALMEIDA, já um bom ousado in casu vem a admitir bastante ecleticamente que a distinção entre DS e ILP não assume relevo nos planos procedimental e contencioso. Esteja assim ultrapassada a querela. Vigore assim a tégula. (Todavia, AROSO DE ALMEIDA vem reconhecer algum relevo num chamado «plano estrutural»). Veritas se a doutrina maioritária nacional continua a insistir na fulcral distinção, tomando in maxime posição convicta na força diferenciada dentro da própria fauna parasitária (DS), postulando que existirão parasitas mais fortes que outros e parasitas mais relativos que outros, admitindo o direito à vida, a dignidade humana e o acesso aos tribunais, enquanto direitos subjectivos absolutos, então só se perfilha a óptica (atingindo dessa sorte aqui o clímax da tese) para o acesso aos tribunais! O mesmo valerá dizer que se considerará sempre uma tégula parasitária e simbiótica entre os DS arreigados aos ILP, porquanto todos os DS que a gíria administrativista vem identificar não serem ou não compreenderem, em bom rigor jurídico, direitos absolutos. O aproveitamento «do» bem não pode ser nem directo, nem imediato, nem pleno cumulativamente. Dir-se-ia, antes, que seria in maxime reflexo. Destarte, prefere-se entender v.g. o direito à vida, dignidade humana, direito à propriedade todos eles entre outros direitos reflexos enquanto direitos, liberdades e garantias fundamentalíssimos e consagradíssimos na Carta Constitucional, tomando nessa sorte, palco. De todo em todo, todos eles, pese embora, direitos reflexos (porquanto reflectem e exaltam o espírito natural do Estado de Direito actual) serão outrossim ILP e não direitos absolutos. Poderão haver princípios e circunstâncias que impeçam ou condicionem tais «direitos subjectivos», logo deixando os mesmos de serem direitos absolutos. Finalmente, de toda esta arte e toda esta sorte, defender-se-á que entre as figuras ora esmiuçadas existirá mais uma boa tégula do que uma verdadeira querela, só se reconhecendo uma querela no âmbito do direito do acesso aos tribunais. O mesmo valerá postular que só se admite um «verdadeiro» direito subjectivo, chamando-lhe «especial» para a situação jurídica do acesso aos tribunais. Fora deste caso, considerar-se-ia sempre ILP e nunca DS! Veritas o direito de acesso aos tribunais é absoluto. É imediato. É directo. É pleno. E será pleno porquanto seja tão efémero que consiga esgotar toda sua energética útil de tutela. A utilidade do aproveitamento «do» bem (acesso aos tribunais) é real e esgota-se logo per si. Mas esgota-se, permitindo o aproveitamento «do» bem (gozo de o titular estar em juízo processual) de uma forma directa e imediata. O titular consegue tirar proveito. Consegue de facto gozar. Pode aproveitar-se de estar em juízo. Esse aproveitamento é indubitavelmente pleno. E pleno, justamente pela particularidade da efemeridade do direito que lhe permite ser absoluto. Independentemente daquilo que se venha a intentar ou demandar, existirá sempre a consideração do tribunal em apreciar a minha pretensão, concretizando-se ou não favorável. Só esta apreciação, esta sorte de legitimidade de pertencer e estar incluído numa tal relação controvertida per si será já absoluta. Tão-só interessará se o tribunal pode ou não conhecer do meu pedido, se pode por razões de mérito julgar. Não interessando se venha a julgar ou não procedente. o direito de acesso aos tribunais em toda a sua instância foi concretizável. Cumpriu-se na totalidade. Foi um direito absoluto em quanto existiu tanto quanto pudesse. Esgotou-se naturalmente toda a sua potência de protecção tendo sido imediato, directo e pleno. Se esgotou a sua protecção foi porque esgotou a sua plenitude. Foi gasto. Foi usado. Mas até se ter esgotado, foi sempre pleno. Simplesmente esgotou-se. Porque se fez cumprir a sua sagaz missão. Talquale a bomba-mais-poderosa que pode ser viajável. Dentro da bomba-mais-poderosa nada me limitará enquanto durar a minha viagem ao alvo-mãe. Aí chegado a bomba-mais-poderosa auto destruiu-se. O meu direito a viajar dentro da bomba-mais-poderosa foi absoluto em toda a viagem desde que a bomba-toda-poderosa terá sido lançada. Contrario sensu será v.g. o direito à vida ou o direito à propriedade. Estes não podem ser absolutos. PAES MARQUES elucida bastante claramente tal posição. Todos aqueles «DS» (outrossim expectáveis enquanto absolutos) na doutrina querelalista serão para a doutrina tegulista ILP, porquanto já supra se tem revelado que a pesarem com concretos circunstancialismos deixaram de ser absolutos. Talquale se quer agora demonstrar que se deixaram em primeiro rogo de serem absolutos outrossim deixaram em último rogo de serem imediatos:

i) 1º V.g. o direito à vida deixou de ser absolutamente indemnizável se foi atentado ou violado outro direito à vida em legítima defesa, conseguindo-se, dessa sorte, a preterição legítima, fundada e ponderada da responsabilidade civil ou concretamente de indemnização por danos não patrimoniais (com extensão in maxime aos danos morais dos familiares) – cfr. Ac. Do STJ 40/11

ii) Outro V.g. Qual o exemplo da doutrina italiana de direito subjectivo para a sustentação do corte de vencimento dos funcionários públicos de 2011-2014? Seria o argumento do direito subsidiário. Subsidiário porquanto tenha sido restringido pelo Princípio da Proporcionalidade e ponderação jurídico-constitucional (cfr. Ac. Do TC 574/14)

iii) último V.g. perante o direito à propriedade a subtileza italiana vem manipular, destruir enfraquecer o aparente «DS» com o exemplo da expropriação. Se foi expropriado veritas nunca foi absoluto. In maxime tão-só terá sido «aparentemente absoluto» (cfr. Acs. Do TC 205/2000e do STJ 742/10

RAUL CATULO MORAIS, com o número 24448

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  • Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 574/ 2014,
  • JOÃO CAUPERS Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 205/2000, de 30 de Outubro,
  • PIZARRO BELEZA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Nº 742/10, de 5 de Fevereiro,
  • GRANJA DA FONSECA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 40/11 de 30 de Outubro,
  • PIRES DA GRAÇA JOÃO ALBERTO BAPTISTA CORREIA, Direito À Vida – Da dignidade da pessoa humana e a indemnização por dano-morte, pp. 8 a 19
  • ANTONIO ROMANO TASSONE, Situazioni giuridiche soggestive, p. 986
  • VASCO PEREIRA DA SILVA, Para um Contencioso Administrativo dos Particulares, p. 84
  • VASCO PEREIRA DA SILVA, Em Busca do Acto Perdido, pp. 212 e ss. e pp. 286 e ss.
  • VASCO PEREIRA DA SILVA, Verde Cor de Direito, pp. 96 e ss.
  • VASCO PEREIRA DA SILVA, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, pp.263 e ss.
  • MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergenetes, pp. 116-117
  • MANUEL GOMES DA SILVA, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, p. 83
  • EBERHARD SCHMIDT-ASSMANN, Das allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee, p. 75
  • WIDAR CESARINI SFORZA, Diritto soggetivo, p. 659 e ss.
  • LUDGERO NEVES, Direito Administrativo, p. 67

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Este post debruça-se sobre o recente afastamento do Diretor da Escola de Dança do Conservatório por desobediência de uma ordem superior. O diretor desobedeceu e foi suspenso e afastado do cargo.

O diretor da Escola de Dança do Conservatório Nacional, Pedro Carneiro, foi afastado na sequência de um processo disciplinar instaurado pelo diretor-geral dos Estabelecimentos Escolares em maio de 2015, por incumprimento de uma ordem dada pela mesma direção-geral. A ordem era relativa à contratação de um professor para a instituição. Foi punido com 80 dias de afastamento efetivo e cessação da comissão de serviço.

Agora compete decompor e analisar as variáveis do caso.

A Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares pertence à Administração Direta do Estado. Nesta, os interesses são prosseguidos pelo conjunto de órgãos e serviços do Estado. Existe um modelo de hierarquia vertical em que existem, efetivamente, poderes de direção e disciplinar. Quanto ao poder de Direção, pode dar ordens (comandos individuais e concretos) – em que o subalterno tem o dever de obediência. Já quanto ao poder Disciplinar, pode aplicar sanções.

As escolas secundárias são um serviço local do Ministério da Educação, estando integradas na administração direta e periférica do Estado Português, possuindo competências com abrangência limitada. As escolas secundárias não possuem personalidade jurídica. Logo, a Escola de Dança do Conservatório Nacional não possui personalidade jurídica.

É estabelecida uma relação de hierarquia entre a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares e o Diretor da Escola de Dança do Conservatório Nacional. Quanto à primeira há poder de direção e quanto ao segundo há dever de obediência.

Podia a DGEE emanar uma ordem que impusesse à EDCN a contratação de um docente? Quanto às atribuições (fins ou interesses que a lei incumbe as pessoas coletivas públicas de prosseguir - fora das atribuições são atos nulos (art. 161º/2/b CPA)) da DGEE, temos no Decreto-Lei n.º 266-F/2012, art.3.º/2/b) que é atribuição da DGEE Acompanhar, coordenar e apoiar a organização e funcionamento das escolas e a gestão dos respetivos recursos humanos e materiais, promovendo o desenvolvimento e consolidação da sua autonomia. Poder-se-ia sustentar que a contratação de um docente se enquadra no âmbito da gestão dos recursos humanos da EDCN, pelo que seria uma atribuição sua.

Contudo, que competências é que são atribuídas à DGEE para atingir as atribuições, mais concretamente, a gestão de recursos humanos? Antes de mais, a DGEE remete as suas competências para a Portaria n.º 29/2013 de 29 de janeiro, diploma que enuncia as competências que as suas direções de serviços possuem em articulação com a Direção-Geral. Contudo, nenhuma das competências elencadas remete para a contratação de professores ou para a gestão de recursos humanos. Como tal, o ato que a DGEE pratica ao comunicar ao Diretor da EDCN que esta teria que contratar um docente específico, não está sobre sua competência. Assim, o ato é anulável (art. 163º/1 CPA). Ocorre uma sujeição ao princípio da legalidade (art. 36º/1 CPA) de onde se retira que a competência não se presume, é imodificável, é irrenunciável e inalienável e que delimita-se em razão da matéria, da hierarquia, do território e do tempo. Assim, apesar de existir atribuição da DGEE, não há competência. As atribuições e competências limitam-se mutuamente – nenhum órgão administrativpode prosseguir atribuições da pessoa coletiva a que pertence por meio dcompetências que não são suas nem pode exercer as suas competências fora dasatribuições da pessoa coletiva em que se integra. 

A Direção-Geral com atribuições e competências para emitir tal ordem seria a Direção-Geral da Administração Escolar.

Face a esta situação o Diretor da EDCN não se poderia ter recusado a executar a ordem da DGEE. A única situação que a lei prevê em que poderia haver recusa é quando tal é crime (art. 274.º da CRP). Ora, o cumprimento da ordem da DGEE não configura um crime, pelo que o Diretor da EDCN teria de acatar a ordem. Contudo, este poderia ter impugnado o ato e solicitado a sua anulação, ao abrigo dos arts. supra.

 

 

MARTINS, CHRISTIANA, Diretor da Escola de Dança do Conservatório afastado por desobediência, EXPRESSO, 09.12.2016

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, volume I, 4.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 2015

 

BERNARDO TRAVESSAS

28281

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Enquadramento contextual – a Caixa Geral de Depósitos

A Caixa Geral de Depósitos (CGD), objeto desta análise, é um banco secular, com exatamente 140 anos de idade. Fruto da provecta idade, a CGD sofreu ao longo do tempo transformações estruturais. Será difícil determinar se é a CGD que altera os seus modelos de gestão e organização segundo vicissitudes económicas, financeiras e políticas da época em causa, ou se pelo contrário é esta que afeta de sobremaneira o circunstancialismo descrito. Certo é que ambas as situações estão interligadas, garantia dada pelo facto de a caixa ser o maior banco em Portugal. Está também associada à CGD a conotação de banco “público”, isto porque o Estado é o seu único acionista. Algo a ser explorado ao longo do trabalho. Vejamos a evolução histórica da CGD.

Dividimos a caracterização em três fases: a) Fundação e evolução embrionária (1876 – 1969); b) Transformação em Empresa Pública (1969 – 1992); c) Transformação em Sociedade Anónima (1992 – atualidade). Em virtude do objetivo atualista desta introdução, na fase c), salientamos a legislação relevante do modelo atual seguido pela CGD, recorrendo ao Regime Jurídico do Setor Público Empresarial e das Empresas Públicas – Decreto –Lei nº133/2013, de 3 de outubro de ora em diante RJSPEEP). Esta questão será abordada com mais pormenor no ponto Enquadramento legal - empresas públicas, entidades públicas empresariais, setor público empresarial do Estado. Sintetizamos também aspetos que julgamos relevantes quando à forma de sociedades, nomeadamente anónimas, e as implicações que tal tem na conjunção com o RJSPEEP. Utilizaremos o Código das Sociedades Comerciais (CSC) e os Estatutos da Caixa Geral de Depósitos.

Fase a) A CGD é fundada a 10 de abril de 1876 no contexto reformativo de Fontes Pereira de Melo. É inicialmente administrada pela Junta de Comércio Público (organismo que administrava e superintendia a administração geral da dívida pública interna ou externa). Passados quatro anos sobre a fundação da CGD criou-se ,junto da instituição, mas com património e gestão separados, a Caixa Económica Portuguesa, administrada pela Junta do Crédito Público, por intermédio da CGD. O seu objetivo era o recebimento e a administração de depósitos voluntários de pequenas quantias, com o propósito expresso de difundir, promover e incitar nas classes menos abastadas o espírito de economia. A 1885 os fundos da Caixa Económica Portuguesa passam a ser geridos juntamente com os da CGD. Em 1896 a CGD é pela primeira vez confiada a um Conselho de Administração separando-se da Junta de Comércio Público. A 1929 é inclusive criada a atual Caixa Geral das Aposentações instituição que tanto na altura da sua criação como atualmente possui funções sociais. Alarga também os seus limites de financiamento que até então paravam no Estado.

Fase b) A 1969 atribui-se à CGD uma estrutura empresarial. Efetivamente, a CGD, que até então era um serviço público, sujeito às mesmas regras dos serviços da administração direta do Estado, passa a ser definida fundamentalmente como uma empresa pública para o exercício de funções de crédito, à qual está também confiada a administração de serviços públicos autónomos de previdência. O estatuto da CGD continua a ser de direito público, mas introduzem-se as modificações exigidas pela sua atividade como instituto de crédito. A gestão financeira passa a obedecer às regras da gestão empresarial, embora se mantenha paralelamente a escrita orçamental. Por último, o staff continua sujeito ao regime jurídico do funcionalismo público, estabelecendo-se, no entanto, que as categorias e vencimentos são estabelecidos pelo Conselho de Administração, tendo em conta, designadamente, os condicionalismos comuns à generalidade do sistema bancário.

Fase c) A mais recente reforma da CGD foi determinada pela entrada de Portugal no panorama europeu. Nomeadamente a aplicação do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n° 298/92, de 31 de dezembro, que veio equiparar a CGD aos bancos comerciais. A CGD é transformada em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, de que só o Estado pode ser detentor, passa a denominar-se Caixa Geral de Depósitos, SA, e rege-se pelas mesmas normas das empresas privadas do setor. O seu objetivo é o exercício da atividade bancária (de acordo com objetivos determinados pelo Estado) sem prejuízo das regras do mercado concorrencial e simultaneamente a demanda (a ver se conseguida ou não) de um equilíbrio da gestão entre interesses privados e públicos. A Caixa Geral de Aposentações separa-se da CGD e o staff fica sujeito ao Regime do Contrato Individual de Trabalho.

            No RJSPEEP temos inúmeros artigos referentes ao modelo onde se insere o regime descrito na fase c). São eles por ordem crescente: 2º;5º;6º;9º;13º;14º;15º;16º;21º;24º;25º; 26º.

            São sociedades comerciais aquelas que tenham por objeto a prática de atos de comércio e adotem um tipo de sociedade tipificado no 1º/2 do CSC. A CGD adota a denominação de Caixa Geral de Depósitos, S.A (1º/1 Estatutos e 275º/1 CSC). O CSC abre uma exceção ao número mínimo de sócios para a criação de uma sociedade anónima nos casos em que o Estado interfere – 273º/2. O artigo 271º do CSC define inclusivamente que o Estado como único sócio subscritor de ações é responsável por estas, o que significa que pode interferir (se quiser manter a vitalidade da CGD) procedendo a recapitalizações (5º/1 Estatutos). O artigo 278º tipifica o modelo base de estrutura da administração e fiscalização das sociedades anónimas. Segundo os Estatutos a CGD é constituída por uma Assembleia Geral; Conselho de Administração; Conselho Fiscal; Sociedade de Revisores de Oficiais de Contas – cai no âmbito do artigo 278/1/a) + 278º/3 do CSC. Como ponto chave da relação da CGD com o Estado temos o artigo 545º das figuras que ao abrigo do CSC se equiparam ao Estado, sendo que o banco público é uma delas. Estas características apontam para o artigo 14º do RJSPEEP, (…) as empresas públicas regem-se pelo direito privado, com as especificidades decorrentes do presente decreto-lei, dos diplomas que procedam à sua criação ou constituição e dos respetivos estatutos.

            A título de exemplo, relativamente aos princípios base que orientam a atuação da CGD – Neutralidade competitiva (15º RJSPEEP) VS Transparência financeira (16º RJSPEEP), temos a recente polémica relativa aos salários e declarações de rendimentos dos administradores recém-nomeados para a CGD. Há quem defenda que estes gestores se libertaram dos limites do setor público. Em primeiro, quanto aos níveis salariais (a política de remunerações e prémios de administração foi fortemente condicionada durante o período de vigência do programa de assistência, algo que terá sido ignorado). Utiliza-se como argumento que os salários da Administração devem ser estabelecidos consoante o regime salário praticado usualmente pela banca para desincentivar situações que impeçam a livre concorrência. O Conselho de Ministros aprova o decreto-lei 39/2016 que determina a não aplicação à Caixa do Estatuto do gestor público (decreto-lei 71/2007) invocando a qualidade de entidade supervisionada significativa que a coloca -CGD-  sob a tutela do BCE. É ainda argumentado que as regras específicas a que estão sujeitas as instituições de crédito sobrepõem-se largamente, ou mesmo ultrapassam os limites estabelecidos à organização, ao funcionamento e à atividade de entidades públicas, incluindo as integradas no setor empresarial do Estado, e aos titulares dos respetivos órgãos. A consequência mais visível da exceção seria verificada ao nível dos vencimentos, que puderam ser fixados sem as limitações que incidem sobre os gestores públicos. O próprio PR relembrou que em situações de recapitalização como é a atual verifica-se um corte de 50% no vencimento dos administradores. No entanto esta “fuga” aos Estatutos originou uma outra situação. Os administradores do banco ficariam também livres de outras obrigações dos gestores públicos, designadamente ao nível da transparência, sendo desobrigados de apresentar as declarações de rendimentos e de património exigidas a seguir à nomeação para o cargo. O Governo aceita esta “fuga” o que contraria a Lei nº4/83 que exige a apresentação dessas mesmas declarações de rendimentos ao TC para consulta pública. Há consenso político quanto à obrigação jurídica da apresentação da declaração de rendimentos. Quantos aos “tetos” salariais é outra história.

            Situações exemplificativas como a descrita fragilizam o regime jurídico atual da CGD e urgem para a necessidades de possíveis reformas. Apresentamos aqui a nossa. 

 

 

Enquadramento legal - empresas públicas, entidades públicas empresariais, setor público empresarial do Estado

 

O artigo 2.º do DL 133/2013, de 3 de outubro, referente ao regime do Setor Público Empresarial, diz-nos que fazem parte do setor público empresarial o setor empresarial do Estado (composto pelas empresas públicas strictu sensu e pelas empresas participadas) e o setor empresarial local.

Empresas participadas, segundo o artigo 7.º do mesmo diploma, são as organizações empresariais onde o Estado (ou qualquer entidade pública) detenha uma participação permanente, sendo dada a definição deste último conceito no número 2 do mesmo artigo.

O mesmo diploma diz-nos, no seu artigo 5.º, número 1, que as empresas públicas strictu sensu são aquelas onde o Estado ou outras entidades públicas podem exercer influência dominante (regulada no art. 9º).  O artigo 13.º diz-nos que as empresas públicas podem ter duas formas: sociedades de responsabilidade limitada constituídas nos termos da lei comercial e entidades públicas empresariais. O número 2 do artigo 5.º remete-nos para o Capítulo IV do Decreto-Lei em causa (artigos 56.º-ss.), que refere, logo no seu primeiro artigo, que as entidades públicas empresariais são pessoas coletivas de Direito público e que, tendo sido criadas pelo Estado, prossigam os fins deste. Segundo o artigo 6.º, o objeto social das empresas públicas é a atividade económica que esteja fixada no ato que as constituiu e cuja prossecução e desenvolvimento lhes foi confiada.

Estas, segundo o artigo 14.º, número 1, regem-se pelo Direito privado. Este mesmo artigo diz-nos que podem ser fixadas normas de caráter temporário para vários campos: relativas ao regime retributivo e às valorizações remuneratórias dos titulares dos órgãos sociais e dos trabalhadores (número 2) ou relativas aos contratos de aquisição de serviços (número 3).

Dois dos princípios pelos quais as empresas públicas se regem são o da neutralidade competitiva (artigo 15.º) e o da transparência financeira (artigo 16.º).

O primeiro significa que as empresas públicas têm as mesmas condições e termos aplicáveis que as empresas privadas, estando, também, sujeitas às regras de concorrência (nacionais ou de Direito da União Europeia). Este princípio também faz com que seja necessária a observação, nas relações entre entidades públicas que detenham capital social ou estatutário de outras empresas públicas, as regras da concorrência.

O segundo deve-se ao facto de a sua contabilidade dever ser organizada segundo os termos legais e de forma a que possam ser facilmente identificados todos os fluxos financeiros. É-lhes mesmo vedada a realização de quaisquer despesas que não estejam previstas.

Os titulares de órgãos de administração destas empresas são, conforme o artigo 21.º, os gestores públicos, que têm de ser pessoas singulares, idóneas, com mérito profissional, competentes e experientes. É-lhes aplicado o Estatuto do Gestor Público (DL 71/2007, de 27 de março).

Em relação a orientações estratégicas e setoriais, diz-nos o artigo 24.º, número 1, elas são estabelecidas pelo Governo, que define e aprova, por resolução do Conselho de Ministros, as medidas/diretrizes que sejam relevantes para o equilíbrio económico e financeiro do SEE (Setor Empresarial do Estado). Estas orientações, segundo o número 4 do mesmo artigo, vinculam os já referidos gestores públicos, que, para concretizar estas medidas, segundo o artigo 25.º, gozam de autonomia na definição dos métodos, modelos e práticas de gestão. Segundo o número 2 deste artigo, há um controlo de mérito (ou seja, que tem como objetivo verificar a eficiência, a conveniência e o resultado), já que os gestores têm de apresentar um relatório trimestral que demonstre o grau de execução dos objetivos fixados no plano de atividades e no orçamento, podendo a sua autonomia ser restringida graças aos resultados apresentados (número 4).

Além do controlo do Governo, as empresas públicas ainda estão submetidas ao controlo do Tribunal de Contas e da IGF (Inspeção-Geral de Finanças), conforme o artigo 26.º.

As E.P.E., segundo o artigo 56.º, são “(…) as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado para prossecução dos seus fins (…)”.

A sua criação é feita através de decreto-lei (artigo 57.º, número 1), assim como a sua transformação (34.º, número 1). O artigo 57.º/3, que remete para o 10.º, diz-nos que a criação de qualquer entidade pública empresarial depende da autorização dos membros do Governo que sejam responsáveis pelas áreas das finanças e pelo setor de atividade da E.P.E. e que tem de haver, antes disso, um parecer da Unidade Técnica, que é um ato preparatório e não vinculativo, sendo emitido com base em estudos que avaliam a viabilidade económica e financeira da entidade que vai ser constituída, identificando os ganhos de qualidade e de eficiência da sua criação.

Estas entidades têm autonomia financeira, administrativa e patrimonial, e não estão sujeitas às normas de contabilidade pública, conforme o artigo 58.º/1. O número 2 deste artigo define que a sua capacidade jurídica compreende todos os direitos e deveres que sejam necessários à prossecução dos seus fins.

Segundo o artigo 59.º, têm capital estatutário, isto é, que é detido pelo Estado e que serve para responder às suas necessidades permanentes.

 

 

Aplicação legal ao contexto atual – a Caixa Geral de Depósitos como uma Entidade Pública Empresarial

 

Após o turbilhão socioeconómico que a banca portuguesa tem sofrido nestes últimos anos, todas as atenções se voltam agora para o banco público: a Caixa Geral de Depósitos.

Neste contexto em que se procuram novas dinâmicas de desenvolvimento para o setor financeiro, é preciso que a Caixa Geral de Depósitos evolua num sentido de minimizar os riscos, aumentar o controlo e de se enquadrar cabalmente numa lógica de mercado concorrencial.

Para tal, propomos que a atual Caixa Geral de Depósitos, S.A. (CGD, S.A.), de capitais exclusivamente públicos, seja transformada numa Empresa Pública sob a forma de Entidade Pública Empresarial, assumindo a seguinte designação: CGD – Caixa Geral de Depósitos, E.P.E.

Conforme já explicitado anteriormente, decorre do regime jurídico das E.P.E. que teríamos uma empresa em sentido económico e de fim lucrativo (sendo que esse “lucro público” pode ser aplicado no autofinanciamento a própria empresa, logo, a gestão deve ser realizada em termos tais que permita a existência de benefícios financeiros), apenas criadas e controladas por entidades jurídicas públicas.

Este enquadramento legal seria vantajoso para a CGD pois estas entidades jurídicas públicas teriam inerentes “direitos especiais de controlo” sobre a empresa (a já referida “influência dominante”) que tem uma posição chave na economia portuguesa. O Estado interviria, assim, através duma empresa pública com a missão de contribuir para o equilíbrio económico-financeiro do setor público e para assegurar níveis adequados de satisfação de necessidades coletivas, como aponta DIOGO FREITAS DO AMARAL.

A CGD, E.P.E. estaria sujeita a apertado controlo público, embora na sua atividade aplicasse o Direito Privado (art. 14º, nº1 do DL 133/2013), estando até legalmente obrigadas ao registo comercial (art. 61º do referido Decreto-Lei), uma vez que as operações bancárias devem ser regidas segundo regras próprias do código comercial (aderimos ao argumento histórico de FREITAS DO AMARAL que afirma o nascimento da atividade bancária no âmbito do Direito Privado e sendo nesse setor que se desenvolveu). Esse controlo público, ao nível da gestão, por exemplo, verificar-se-ia na aplicação obrigatória do Estatuto do Gestor Público (o já anteriormente referido DL 71/2007, de 27 de março), o que impediria polémicas como as recentes e ao mesmo tempo assegurava o princípio da transparência financeira.

Todo o controlo financeiro da CGD, E.P.E., da responsabilidade do membro do Governo com a pasta das Finanças, seriam dispostas no Decreto-Lei regulador desta entidade pública empresarial, uma vez que tal deve ser feito por DL, conforme explicitado supra. Sendo que ao Ministro das Finanças caberia, também, o poder de definir a configuração dos órgãos de administração (onde é obrigatória a presença de um representante da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, à luz do disposto no art. 31º/5 DL 133/2013) e fiscalização.

O banco público teria, então, um “modelo de governo societário” que assegurava a necessária separação entre as funções de administração executiva e as funções de fiscalização, segundo o nº1 do artigo 30º do DL 133/2013, o que se aflora como uma vantagem, já que prossegue os objetivos de rigoroso controlo, numa empresa pública que se afigura crucial à economia do país. O DL dá-nos a flexibilidade, no seguinte art. 31º, nº1, de ajustar ambos os órgãos à “dimensão e complexidade da empresa”.

Inserida no âmbito da Administração Indireta, a CGD, E.P.E. estaria legal ou estatutariamente sujeita ao controlo da Administração Pública embora tendo a sua própria autonomia administrativa, que se refletiria na exclusiva competência de o banco definir a cobrança de receitas e taxas provenientes da sua atividade, por exemplo. Ou seja, a autonomia administrativa consistiria no poder da CGD, E.P.E. praticar atos definitivos e executórios no seio da sua própria gestão.

Além da autonomia administrativa, esta empresa gozaria ainda de autonomia financeira, já que poderia utilizar o rendimento do seu património como receita própria suscetível de ser investida autonomamente. Com isto pressupõe-se que a entidade tenha necessariamente património próprio, o que consubstancia uma consequência da atribuição de personalidade jurídica.

A CGD, E.P.E. possuiria personalidade jurídica própria, estando, no entanto, ligada estritamente ao Estado, pois prossegue um fim que este lhe designou. Portanto, teríamos a CGD, E.P.E. a prosseguir uma das funções de cariz económico que o Estado lhe delegou, pois, à partida, era ele que estava incumbido de a realizar.

Terminando este preâmbulo geral, onde apresentamos a situação atual, enquadramos o diploma legal que achamos que devia reger o banco estatal e elencamos sumariamente algumas vantagens da Caixa Geral de Depósitos se tornar numa Entidade Pública Empresarial, entramos agora nas especificidades e no desenvolvimento de certas matérias desta nossa proposta legislativa.

 

1) Regime Jurídico

Como já verificamos anteriormente, a CGD, E.P.E., é uma entidade pública empresarial regendo-se pelo DL n.º 133/2013. Para uma melhor classificação, vejamos agora os pontos mais importantes:

  • A CGD é uma pessoa coletiva de direito público, com natureza empresarial e foi criada pelo Estado para a prossecução dos seus fins (art. 56º), por outras palavras, são organizações com personalidade jurídica, sendo titulares de direitos e deveres distintos do Estado, mas prosseguindo os seus interesses;
  • A criação da CGD é feita mediante parecer prévio da Unidade Técnica de Acompanhamento e Monitorização do Setor Público Empresarial (UTAM) (art.57º/3 que nos remete para o artigo 10º). Esta Unidade Técnica é uma entidade administrativa de apoio e consulta à tomada de decisões e, embora possua certa autonomia administrativa, depende do órgão do Governo responsável pelo sector das Finanças;
  • a CGD, E.P.E., tem autonomia administrativa, financeira e patrimonial (art. 58º/1);
  • a CGD, E.P.E., tem capacidade jurídica na medida em que tem todos os direitos e obrigações necessário à prossecução do seu objeto (art.58º/2). Por sua vez, PAULO OTERO, refere que as ‘’entidades privadas que exercem funções públicas de natureza administrativa’’, possuem, paralelamente, à sua natural personalidade e capacidade jurídicas privadas, uma personalidade jurídica de Direito Público;
  • a CGD, E.P.E., tem um capital (capital estatutário), mas este está detido pelo Estado, e serve para responder às respetivas necessidades permanentes (art.59º);
  • a CGD, E.P.E., tem uma estrutura análoga às sociedades anónimas (art. 60º/1);
  • os órgãos de administração e fiscalização da CGD têm as competências genéricas previstas na lei comercial, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei (art.60º/2)
  • Os órgãos de administração e de fiscalização da CGD têm a competência genérica prevista na lei comercial estando sujeita a esse registo (art.60º/2 e 61º);
  • no que concerne aos estatutos da CGD, estes regulam a competência e o modo de designação dos membros dos órgãos, anteriormente enunciados, e podem, ainda, prever a existência de outros órgãos, deliberativos ou consultivos, definindo as respetivas competências, de acordo com os números 3 e 4 do artigo 60º;

 

Contudo, a lei não se limita a fazer uma remissão para o Código das Sociedades Comerciais, prevendo, no Decreto-Lei n.º 133/2013, regras específicas relativas à composição e funcionamento dos órgãos de administração e de fiscalização das empresas públicas:

  • A CGD tem de assumir “um modelo de governo societário que assegure a efetiva separação entre as funções de administração executiva e as funções de fiscalização” (art. 30.º/1)
  • Esse modelo societário da CGD deve ser ajustado à “dimensão e complexidade da empresa, com vista a assegurar a eficácia do processo de tomada de decisões e a garantir uma efetiva capacidade de fiscalização e supervisão” (art.31º/1)
  • É ao titular da função acionista da CGD que cabe o poder de definir, nos estatutos da empresa, a concreta configuração dos órgãos de administração e de fiscalização (art.31º/3)
  • Quanto à designação dos administradores na CGD, a mesma é feita por deliberação do Conselho de Ministros, como decorre do artigo 32.º/4, nos termos previstos no Estatuto do Gestor Público.

 

2) Integração ou não na Administração Pública

As E.P.E. são pessoas coletivas com autonomia administrativa e financeira, que desenvolvem uma atividade administrativa em nome próprio, mas destinada à realização de fins do Estado (nomeadamente os de caráter técnico, económico, cultural e social), tendo uma certa autonomia em relação ao Governo. Além da sua personalidade jurídica própria, elas têm património próprio, pessoal próprio e praticam atos próprios, tendo autonomia orçamental. Esta autonomia traduz-se nos seguintes aspetos: ser proprietária de bens ou ativos, sobre os quais pode transacionar essa mesma propriedade com outras unidades institucionais, ou seja, estabelecer trocas de bens ou ativos, ter capacidade para tomar decisões económicas, bem como para realizar atividades económicas e, por último, ter capacidade para contrair passivos em seu próprio nome, aceitar obrigações ou compromissos futuros e, ainda, celebrar contratos.

Nos casos de contração de dívidas por parte da EPE, responde o seu património, em primeiro lugar, e só subsidiariamente o do Estado.

A CGD, E.P.E. integra-se na Administração Indireta do Estado, contudo, a regra aplicada a esta modalidade de entidades públicas é a regência pelo direito privado, pois a gestão pública só pode ser estabelecida pelos estatutos dessas empresas para determinados aspetos do seu funcionamento. Esta gestão privada das entidades públicas empresariais prende-se com o facto do Direito Privado já ter legislado, exaustivamente, o regime das sociedades privadas, apresentando a remissão para este regime várias vantagens. Todavia, não fica excluída a aplicação dos princípios gerais de Direito Público.

 

3) Poderes a que está sujeita pelo Governo

Pelo artigo 199º, alínea d) da CRP, compete ao Governo superintender e exercer tutela sobre a Administração Indireta. Também a Constituição da República Portuguesa pronuncia-se quanto aos poderes do Estado, uma vez que o art. 267.º/2 vem consagrar o Princípio da Desconcentração e Descentralização Administrativas. Apesar da CGD, enquanto E.P.E., ter poderes de autoridade que também o Estado goza, em certas circunstâncias, como as que constam no artigo 22º do Decreto-Lei nº133/2013, de 3 de outubro, está sujeita a superintendência do Governo.

O Governo dispõe, segundo a lei, dos seguintes poderes:

  1. a) Por resolução do Conselho de Ministros, define e aprova o conjunto de diretrizes e orientações (art. 24.º, n.º 1)
  2. b) Poderes de tutela económica, a cargo do Ministro do sector, e de tutela financeira, a cargo do Ministro das Finanças;
  3. c) Aprovação dos planos de atividades, orçamentos e contas, assim como de dotações para capital, subsídios e indemnizações compensatórias;
  4. d) Homologação de preços ou tarifas a praticar, em certos casos.

 

 

 

Atribuições da CGD, E.P.E.

 

As atribuições são os fins que a lei confia às pessoas coletivas, neste caso a Caixa Geral de Depósitos, sendo que se poderá afirmar que as competências de cada órgão, asseguram o compromisso do seguimento dessas mesmas atribuições. Segundo os Estatutos da Caixa, a sociedade tem por objeto o exercício da atividade bancária, sendo que exercerá quaisquer outras atribuições que lhe sejam conferidas por legislação especial. (artigo 4º nº1 e 2).

Assim sendo a Caixa tem as seguintes atribuições:

  • Reforço da competitividade, capacidade de inovação e internacionalização das empresas portuguesas, sobretudo as PME’s, assegurando as respetivas necessidades de financiamento;
  • Fomento da atividade produtiva, sobretudo de bens e serviços transacionáveis para a exportação ou substituição de importações;
  • Apoio ao processo de recapitalização das empresas portuguesas;
  • Apoio ao empreendedorismo;
  • Fomento da poupança nacional;
  • Contributo para a estabilidade e solidez do sistema financeiro nacional
  • O desenvolvimento económico;
  • O reforço da competitividade, capacidade de inovação e internacionalização das empresas portuguesas;
  • A estabilidade e solidez do sistema financeiro nacional.

 

 

 

Órgãos Sociais da CGD, E.P.E. e suas competências

 

De acordo com os Estatutos da Caixa Geral de Depósitos são órgãos sociais desta, a serem mantidos: a Assembleia-Geral, o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas (Artigo 8º), no sentido do aritgo 60º nº1, do DL 133/2013.

No quadro-geral destes órgãos, dentro do disposto no artigo 9º a independência dos órgãos de acordo com os estatutos e a composição dos mesmos terá o significado que lhe seja atribuído pela lei ou por regulamento, só podendo, em qualquer caso, ser considerado independente quem não esteja associado a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontre em qualquer circunstância capaz de afetar a sua isenção de análise ou de decisão.

Os membros dos órgãos sociais são eleitos por um período de quatro anos, podendo ser reeleitos. Sendo que o número de mandatos exercidos sucessivamente não pode exceder o limite de quatro, com exceção dos membros do Conselho Fiscal e da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas em que se aplica o disposto na lei. Ainda assim, todos os membros dos órgãos sociais manter-se-ão em funções para além do termo dos respetivos mandatos, até à eleição dos novos titulares, sendo que não é obrigatória a coincidência de mandatos entre os diversos órgãos sociais (Artigo 10º). O artigo 11º, prevê ainda que das reuniões dos órgãos sociais e das comissões criadas pelo Conselho de Administração serão sempre lavradas atas, assinadas por todos os presentes, donde constarão as deliberações tomadas. As atas das reuniões da Assembleia-Geral devem ser redigidas e assinadas pelo presidente, pelo vice-presidente e pelo secretário da mesa da Assembleia-Geral e ainda pelo Secretário da sociedade.

 

Assembleia-Geral:

 

O Estado é representado na Assembleia-Geral pela pessoa que for designada por despacho do Ministro das Finanças, não sendo admitido o voto por correspondência. Nas Assembleias-Gerais devem estar presentes os membros do Conselho de Administração e os membros do Conselho Fiscal, bem como a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas nos casos previstos na lei ou nestes estatutos. (13º) A mesa da Assembleia-Geral é constituída por um presidente, um vice-presidente e um secretário (17º). As reuniões são convocadas pelo presidente da mesa, ou por quem o substitua, com pelo menos um mês de antecedência, por carta registada dirigida ao eflectida Estado e com indicação expressa dos assuntos a tratar, reunindo-se a Assembleia Geral, pelo menos, uma vez por ano e sempre que seja requerida a sua convocação ao presidente da mesa pelo Conselho de Administração, pelo Conselho Fiscal ou pelo Estado. A Assembleia-Geral reunir-se-á na sede social ou no local indicado na convocatória (15º e 16º).

 

As competências da Assembleia Geral estão eflectidas no artigo 14º, na medida em que esta delibera sobre todos os assuntos para os quais a lei e estes estatutos lhe atribuam competência, competindo, em especial à Assembleia-Geral, deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício; deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados; proceder anualmente à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade; eleger os membros da mesa da Assembleia-Geral, os membros do Conselho de Administração, com indicação do presidente e dos vice-presidentes, os membros do Conselho Fiscal e a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas; deliberar sobre alterações dos estatutos e aumentos de capital; deliberar sobre as remunerações dos membros dos órgãos sociais, podendo, para o efeito, designar uma comissão de remunerações composta por três membros independentes e com poderes para fixar essas remunerações; autorizar a aquisição e a alienação de imóveis e a realização de investimentos, uns e outros quando de valor superior a vinte por cento do capital social e tratar de qualquer assunto para que tenha sido convocada.

 

 Conselho de Administração:

 

O Conselho de Administração é composto por um mínimo de sete e um máximo de vinte membros, incluindo um presidente e um ou dois vice-presidentes (18º),sendo o presidente substituído nas suas faltas e impedimentos pelo vice-presidente que, para esse efeito, tiver sido escolhido pelo Conselho de Administração, (21 nº2) encontrando-se no artigo 31º nº 2 do Decreto-Lei 133/2013 que estes órgãos integram normalmente três membros, sendo que pode ocorrer exceções, como é o caso, pela dimensão, complexidade ou  pela aplicação de regimes jurídicos especiais.

O Conselho de Administração pode encarregar algum ou alguns dos seus membros de se ocuparem de certas matérias de administração, delegando numa Comissão Executiva, composta por cinco a nove dos seus membros, a gestão corrente da sociedade, definindo os limites e condições da delegação. (19º)

O Conselho de Administração reunirá, de acordo com o disposto no artigo 22º em sessão ordinária, com a periodicidade que o próprio conselho fixar e, em sessão extraordinária, sempre que for convocada pelo seu presidente, por sua iniciativa ou a solicitação de dois administradores. Este órgão não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a maioria dos seus membros, acontecendo que qualquer administrador pode fazer-se representar numa reunião do Conselho de Administração por outro administrador, mediante carta dirigida ao seu presidente, mas cada instrumento de representação não pode ser utilizado mais do que uma vez. As deliberações serão tomadas por maioria simples dos votos emitidos, tendo o presidente, ou quem o substitua, voto de qualidade em caso de empate.

 

Compete ao Conselho de Administração exercer os mais amplos poderes de gestão e representação da sociedade e praticar todos os atos necessários ou convenientes para a prossecução das atividades compreendidas no objeto social. Compete, em especial, ao Conselho de Administração, gerir os negócios sociais e praticar todos os atos relativos ao objeto social; definir a estratégia e políticas globais da sociedade; estabelecer a organização interna da sociedade e elaborar os regulamentos e as instruções que julgar convenientes de forma a assegurar a implementação de adequadas estruturas de controlo interno, gestão de risco, reporte, supervisão e contabilização; contratar os trabalhadores da sociedade, estabelecendo as respetivas condições contratuais, e exercer em relação aos mesmos o correspondente poder diretivo e disciplinar; constituir mandatários com os poderes que julgar convenientes; decidir sobre a participação no capital social de outras sociedades e em contratos de associação em participação, em agrupamentos complementares de empresas e em agrupamentos europeus de interesse económico; adquirir, onerar e alienar quaisquer bens e direitos, móveis ou imóveis, incluindo participações sociais, e realizar investimentos, quando o entenda conveniente para a sociedade sem prejuízo da competência da Assembleia-Geral para autorizar a aquisição e alienação de bens imóveis e de realizar investimentos; decidir sobre a emissão de obrigações ou de quaisquer outros instrumentos financeiros, executar e fazer cumprir as deliberações da Assembleia-Geral; representar a sociedade em juízo e fora dele, ativa e passivamente, podendo confessar, desistir ou transigir em quaisquer pleitos e comprometer-se, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros; exercer as demais competências que lhe sejam atribuídas por lei ou por estes estatutos e deliberar sobre quaisquer outros assuntos que não caibam na competência dos outros órgãos sociais da sociedade. De maneira a assegurar o seu regular funcionamento, o Conselho de Administração cooptará administradores para o preenchimento das vagas que venham a ocorrer, submetendo tal ato a ratificação na primeira Assembleia-Geral e aprovará um regulamento interno de funcionamento e os regulamentos de funcionamento das comissões que constitua, estando estas competências dispostas no artigo 20º.

Compete ainda, em especial, ao presidente, representar o Conselho de Administração; coordenar a atividade do mesmo e convocar e dirigir as respetivas reuniões e assegurar a correta execução das deliberações do Conselho de Administração.

 

 

 Órgãos de Fiscalização:

 

O Conselho Fiscal e a Sociedade de Revisores de Contas, são os dois órgãos anunciados nos Estatutos da Caixa Geral de Depósitos, no artigo 27º, como os órgãos de fiscalização.

O Conselho Fiscal, previsto no Decreto-Lei 133/2013 , como o órgão que assegura as funções de fiscalização das empresas públicas, (artigo 33º nº1), sendo que o regime que lhe é aplicavél será o disposto no Código das Sociedades Comerciais,  é composto por três membros efetivos, que será o presidente, os vogais , contando ainda com um membro suplente (28 nº1) sendo que estes deverão ter certas qualificações e experiência profissional, devendo ter curso superior adequado e elevada competência e conhecimentos nas áreas financeira, contabilística e auditoria (artigo 28 nº2), sendo que estas qualificações deverão ser avaliadas pela Comissão de Nomeações, Avaliação e Remunerações, (comissão especializada da Comissão de Administração), constando os requisitos necessários  para esta avaliação de um documento, “Política  de Seleção e Avaliação da Adequação dos Membros dos Órgãos de Administração e Fiscalização e dos Titulares de Funções Essenciais.”. Os membros depois de “avaliados” são nomeados pela Assembleia Geral (28º/4).

Os membros estão sujeitos ao regime das incompatibilidades, (28 nº3) disposto, na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 35/2014, no artigo 20º que se refere às incompatibilidades de funções, sendo que as funções públicas em regra, são exercidas em regime de exclusividade.

As reuniões do Conselho são dirigidas e convocadas pelo Presidente, por seu próprio entendimento, ou por solicitação dos restantes membros, que se realizam, no mínimo uma vez em cada 2 meses (28º nº 5 e 6). As deliberações do Conselho necessitam da maioria simples, sendo que a maioria para que se possa deliberar terá que ser qualificada, 28 nº8.

Analisada a estrutura do órgão, serão competências suas , fiscalizar a administração da sociedade; vigiar pela observância da lei e do contrato de sociedade, logo, tendo em conta o princípio da legalidade; verificar a regularidade dos livros, registos contabilísticos e documentos que lhe servem de suporte; verificar a exatidão dos documentos de prestação de contas e supervisionar a qualidade da informação financeira constante dos mesmos; fiscalizar o processo de preparação e divulgação de informação financeira; verificar se as políticas contabilistas adotadas pela sociedade, conduzem a uma correta avaliação do património e dos seus resultados; elaborar relatório sobre a sua ação fiscalizadora e dar parecer sobre o relatório, contras e propostas apresentadas pelo Conselho da Administração; fiscalizar a revisão de contas e a auditoria aos documentos de prestação de contas da sociedade; propor à Assembleia Geral, a nomeação do outro  órgão fiscal ,  a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, sobre o qual ainda fiscaliza a independência;  fiscalizar a qualidade e eficácia do sistema de gestão das comissões especiais da Comissão Administrativa, excluindo-se a Comissão de nomeações, avaliações e remunerações, supervisionando as execuções das funções desempenhadas no âmbito da auditoria interna, e sistema de controlo interno; receber as comunicações de irregularidades, reclamações ou queixas apresentadas pelo acionista, entre outros, implementando os procedimentos destinados à receção , registo e tratamento das queixas e reclamações e ainda contratar a prestação de serviços de peritos que coadjuvem no exercício das suas funções, devendo a contratação e remuneração dos mesmos ter em conta a importância dos assuntos. (29 nº1)

 

Têm ainda competência, os membros, singularmente ou em conjunto,  de assistir às reuniões do Conselho de Administração e da Assembleia Geral, para as quais sejam convocados ou nas quais se analise as contas do exercício; de exercer uma fiscalização conscienciosa e imparcial, registar por escrito todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas e diligências que tenham feito e o resultado das mesmas; de emitir parecer sobre qualquer matéria prevista nas disposições legais aplicáveis ou que lhe seja apresentada pelo Conselho de Administração, e  de colocar ao Conselho de Administração qualquer assunto que por ele deva ser ponderado. (28 nº2)

Por fim, e segundo o disposto do artigo 28 nº3,  podem os membros do conselho fiscal obter da administração  a apresentação para exame e verificação, dos livros, registos e documentos da sociedade, e verificar a existência de qualquer classe de valores e ainda designadamente dinheiro, títulos e mercadorias; obter da administração ou de qualquer dos administradores informações ou esclarecimentos sobre o curso das operações ou atividades da sociedade ou sobre qualquer dos seus negócios; obter de terceiros que tenham realizado operações por conta da sociedade as informações de que careçam para o conveniente esclarecimento de tais operações e assistir às reuniões da administração, sempre que o entendam conveniente.

 

Relativamente à Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, disposta no artigo 30º dos Estatutos da Caixa Geral de Depósitos, a qual fará parte da Ordem dos Revisores Oficias de Contas, disposto no Estatuto dessa mesma ordem, (Decreto-Lei 487/99), os membros são designados, como já se referiu pelo Conselho Fiscal e depois nomeados pela Assembleia-Geral. Estes devem proceder a todos os exames e verificações necessários à revisão das contas da sociedade, (nº 1 e 2). Para além do previsto nestes estatutos e na lei, a Sociedade poderá ainda pronunciar-se sobre quaisquer assuntos a pedido do Conselho de Administração ou do Conselho Fiscal. (nº3)

 

 

Conclusão: Vantagens da CGD como E.P.E.

 

  • A prossecução do interesse público enquanto missão;
  • A atividade que a CGD desenvolve é particularmente importante para o mercado bancário pois é o maior banco nacional – a CGD enquanto EPE tenderá a valorizar, sobretudo, políticas de estímulo da economia, em detrimento das de exclusiva maximização dos lucros. É mais benéfico para o país um banco que estimula o tecido empresarial do que um apenas colete lucros.
  • Acountability – a transparência a que os atos que os gestores da CGD tomam estão sujeitos. Ocorre maior escrutínio público devido à circunstância desta ser uma EPE. A gestão tem de prestar contas e efetuar relatórios que são divulgados publicamente.
  • Liberdade de ação, flexibilidade e mobilidade em virtude do recurso ao Direito Privado, em determinados campos da sua atuaçao, com destaque para a possível contratação que desencadeie com privados;
  • Controlo dos fluxos financeiros, imposto pelo princípio da transparência financeira, que combate a criação dos ditos sacos azuis;
  • Apesar de sujeita às orientações apresentadas pelo Governo, dado estar sujeita a poderes de tutela e superentendência, mantém autonomia para definição dos métodos, modelos e práticas de gestão associadas à sua concretização
  • Possibilidade de recurso a poderes e prerrogativas de autoridade característicos do Estado, por via do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 133/2013

 

Presumíveis Desvantagens e Como Ultrapassá-las

Não se procura a maximização do lucro empresarial;

  • Refutação: não é necessariamente mau. É preferível que a CGD procure o maior benefício económico global possível.

Peso excessivo do Estado na economia;

  • Refutação: A banca não é um qualquer setor da economia. É fundamental no financiamento para as pequenas e médias empresas que são o motor da economia nacional. Como o Estado tem interesse nesse fim, a EPE é a solução que melhor permite acautelar estes interesses devido à public accountability a que está sujeita.

Pode originar uma má administração o que acabaria por provocar uma debilidade nos resultados pretendidos;

  • Refutação: Tal afirmação é falsa. A CGD foi dos bancos que melhor resistiu à crise. Não é por um banco ser público que está mais sujeito à má administração, antes pelo contrário: com uma EPE há um maior controlo da gestão e publicitação dos resultados.
  • Bancos que faliram/ fecharam/ nacionalizados e vendidos posteriormente eram todos privados. Exemplos: BPP, BPN, BES. O BCP é o maior banco privado em Portugal e também possuiu a necessidade de uma injeção de capital, que efetuou através de um aumento de capital em bolsa.

A CGD é um banco lucrativo.

Criação inevitável de um sistema excessivamente burocrático.

  • Refutação: Privatização também é burocrática. A despesa a nível de recursos humanos e materiais, assim como de dispêndio de tempo, por parte dos governantes, para realizar um processo desta natureza é incomensuravelmente superior ao de gerir um EPE.

A administração da CGD, enquanto EPE, está mais sujeita a interferências do poder político que nomeia os titulares dos cargos.

  • Refutação: A escolha dos titulares de cargos nos órgãos da CGD permite um controlo a nível da política e medidas tomadas pela CGD. Se é o Governo a escolher quem está à frente, pode selecionar aqueles que tomem as medidas que são mais benéficas para a economia nacional.

Possibilidade de restrição da autonomia de que beneficia em virtude dos resultados obtidos em sede de controlo de mérito.

  • Refutação: atendendo a que essa restrição é justificada pela necessidade de assegurar/repor a eficiência e a conveniência dos atos da EPE, este mecanismo surge como uma mais-valia em sede de salvaguarda e garantia da prossecução do interesse público, que a sua atuação deve manter sempre no seu horizonte.

 

 

Autores da Proposta Legislativa:

ADRIANA MAGALHÃES – n.28148

ANA SOFIA ROLIM –  n.28137

BERNARDO TRAVESSAS – n.28281

DAVID NOEL BRITO – n.28083

FRANCISCA GOMES – n. 28150

MARCO FERREIRA – n.28050

MÓNICA PÁSCOA DIAS – n.28097

SARA CORREIA – n.24339

SARA FÉLIX – n. 28092

Autoria e outros dados (tags, etc)

   I - Natureza Jurídica da Caixa Geral de Depósitos

 

Nos termos do artigo nº 1 dos Estatutos da Caixa Geral de Depósitos, doravante CGD, sob a epígrafe «NATUREZA E DENOMINAÇÃO» que estatui o seguinte:

 

«1 - A sociedade tem a natureza de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos e a denominação de Caixa Geral de Depósitos, S.A.

 

2 - A Caixa Geral de Depósitos, S.A., rege-se pelas normas da União Europeia, pelas leis bancárias e comerciais e pelo regime jurídico do setor público empresarial e demais normas aplicáveis atenta a sua natureza de empresa pública, em qualquer dos casos na medida em que lhe sejam legalmente aplicáveis, e, ainda, pelos presentes estatutos.»

 

Adoptando a posição de CARLOS ALBERTO CADILHA 1, o novo quadro jurídico-constitucional, com a revogação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações e a supressão das anteriores limitações ao acesso da iniciativa privada a certas actividades económicas, veio possibilitar a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas e o subsequente movimento de reprivatizações, e determinou a necessidade de uma redefinição do conceito de empresa pública (assumiram particular relevo, nesse contexto, a Lei n.º 71/88, de 24 de Março, que estabeleceu o regime de alienação de participações do sector público, a Lei n.º 84/88, de 20 de Julho, que permitiu a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, e, por fim, a Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, que aprovou a Lei Quadro das Privatizações. 2

O novo regime empresarial do Estado, instituído pelo Decreto-Lei n.º558/99, de 17 de Dezembro, adoptou uma acepção ampla de empresa pública (por aproximação ao conceito comunitário 3), passando a abranger as entidades do tipo societário relativamente às quais o Estado ou outra entidade pública estadual pudesse exercer uma influência dominante através da detenção da maioria do capital ou da maioria dos direitos de voto ou do direito de designar a maioria dos membros dos órgãos de administração ou fiscalização (artigo 3º, n.º 1) 4.

 

Deste modo, passaram a integrar-se no conceito de empresa pública as sociedades de capitais públicos (que necessariamente preenchiam um dos indicadores de influência dominante), bem como as sociedades de economia mista, relativamente às quais o Estado ou outra entidade pública estadual pudesse exercer uma influência dominante por verificação de qualquer dos outros requisitos a que se referia o preceito.

 

Um conjunto significativo de empresas públicas passou a ser constituído por sociedades de capitais públicos e sociedades de economia mista controladas pelo Estado, que resultaram da transformação de empresas públicas de direito público (segundo o modelo do Decreto-Lei n.º260/76) em sociedades anónimas como é o caso da Caixa Geral de Depósitos, S.A., entre outras entidades que é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.

 

Em todo o caso, decisivo para definir o regime de actuação externa dessas entidades é a identificação das situações de vinculação pelo direito administrativo, que se tornem susceptíveis de remeter a competência para a apreciação dos litígios que lhes respeitem para a área do contencioso administrativo.

Importa notar que as empresas públicas do tipo societário podem exercer poderes de autoridade que lhe são conferidos pela Lei ou contrato e que são enumerados no artigo 14º do Decreto-Lei n.º 558/99 (expropriação por utilidade pública; utilização, protecção e gestão das infra-estruturas afectas ao serviço público; licenciamento e concessão, nos termos da legislação aplicável à utilização do domínio público, da ocupação ou do exercício de qualquer actividade nos terrenos, edificações e outras infra-estruturas que lhe estejam afectas). Pelos respectivos diplomas estatutários podem ser atribuídos outros poderes de autoridade, como sejam poderes de fiscalização, de fixação e cobrança de taxas (v.g. Estradas de Portugal, SA. ANA – Aeroportos de Portugal, S. A., e administrações portuárias) ou poderes em matéria de ordenamento do território que correspondem a competências normalmente atribuídas às câmaras municipais (Parque Expo 98 e sociedades Polis). Residualmente, poderão exercer poderes no âmbito das relações jurídicas de emprego público em relação ao pessoal que ainda mantenha o vínculo da função pública (Caixa Geral de Depósitos, S.A., ou relativamente ao qual se apliquem mecanismos de mobilidade, designadamente por via da requisição de trabalhadores da administração central, dos institutos públicos ou das autarquias locais (v.g. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, S.A.; SA; Rave – Rede Ferroviária de Alta Velocidade, SA).

 

É em função da atribuição destes poderes de autoridade que se compreende o que dispõe o artigo 18º do Decreto-Lei n.º 558/99, que, sob a epígrafe:

 

«COMPETÊNCIAS DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS» consigna o seguinte:

 

«1 — Para efeitos de determinação da competência para julgamento dos litígios, incluindo recursos contenciosos, respeitantes a actos praticados e a contratos celebrados no exercício dos poderes de autoridade a que se refere o artigo 14.º, serão as empresas públicas equiparadas a entidades administrativas.

 

2 — Nos demais litígios seguem-se as regras gerais de determinação da competência material dos tribunais».

 

No âmbito subjectivo de aplicação do artigo 2º, n.º 2, alínea a), do Código dos Contratos Públicos (CCP), na opinião de JOÃO AMARAL E ALMEIDA deve incluir-se as sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos (hoje designadas empresas públicas) quando actuem no exercício de poderes ou prerrogativas de autoridade, e que impede que possam agir no mercado numa pura lógica concorrencial.

 

Deste modo, as sociedades anónimas de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos integram a categoria de empresas públicas de estrutura societária, na medida em preenchem necessariamente o requisito de influência dominante, por parte do Estado ou de outras entidades públicas estaduais, a que se refere a primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro; mantêm, no entanto, a personalidade jurídica de direito privado, que está associada à sua caracterização como sociedades constituídas nos termos da lei comercial, não obstando a esse resultado interpretativo a circunstância de,em determinados casos, a criação da sociedade se efectuar através de diploma legislativo; actuando, em regra, segundo o regime de direito privado, poderão encontrar-se sujeitas a vinculações jurídico-públicas, por efeito quer do exercício de poderes de autoridade quer da sua subordinação ao regime de contratação pública, o que determina a remissão dos litígios emergentes das correspondentes relações jurídicas para a esfera do contencioso administrativo.

   II
 - Enquadramento Teórico

 

Direito Administrativo Privado

 

O Direito Administrativo Privado constitui ainda um direito sui generis, na medida em que não tem sido objecto de grande atenção por parte da doutrina, por enquanto os seus contornos não se encontram perfeitamente definidos.

 

Assim sendo, o seu enquadramento jurídico e a delimitação dos termos da sua aplicação são, frequentemente explicados de forma confusa e pouco desenvolvida, sobretudo a propósito do estudo de outras matérias como a privatização. Acresce que o carácter sui generis do Direito Administrativo Privado e a estranheza que o mesmo acarreta se devem à particular conjugação entre o Direito Público Administrativo e o Direito Privado que o mesmo pressupõe. 

Embora seja feita alusão, de forma pontual, pela Doutrina e até pela jurisprudência portuguesa, a verdade é que o Direito Administrativo Privado ainda não foi objecto, no espectro nacional, de um estudo científico autónomo, sendo correntemente mencionado em obras dedicadas ao fenómeno da privatização e/ou às suas repercussões ao nível da configuração da Administração Pública e ao exercício privado de funções administrativas.

 

Como é sobejamente retratado na doutrina, o termo privatização é um conceito polissémico, capaz de abarcar uma grande multiplicidade de situações.

 

De forma simplista privatizar significa tornar privado ou remeter para o sector privado algo que antes o não era e, por conseguinte, estava adstrito ao sector público. Partindo agora do critério fornecido pela Constituição (cfr. artigo 82, nº 2 da CRP), privatizar consiste em transferir a titularidade ou a gestão de um bem, empresa ou tarefa da esfera jurídico-pública para a esfera jurídico-privada dos meios de produção. Uma das soluções encontradas para alivar o aparelho administrativo, e concomitantemente reduzir a despesa pública, passou por entregar aos particulares a propriedade e/ou o exercício de actividades que anteriormente eram asseguradas pelo sector público. Por outro lado, a política privatizadora passou ainda por criar ou transformar pessoas colectivas públicas em pessoas colectivas privadas para o exercício de funções administrativas e por sujeitar pessoas colectivas públicas à aplicação do Direito Privado.

 

Importa destacar que a privatização da forma de organização implica, necessariamente, que o direito regulador seja o Direito Privado, pelo que a opção por uma forma de organização privada acarreta a adopção de formas de actuação privadas. Mas, a inversa não é verdadeira, na medida em que a opção por formas de organização jurídico-públicas não determina a adopção das formas de actuação públicas, permitindo antes a possibilidade de escolha entre estas e as formas de actuação privadas.

 

Existem várias categorias de privatização:

 

1.Privatização do Direito aplicável: Esta modalidade de privatização resulta do exercício da liberdade (limitada) de eleição no sentido da escolha do Direito Privado enquanto direito regulador de uma entidade pública. Ou seja, o ente administrativo em causa mantém a personalidade jurídica de Direito Público ou é subjectivado ab início como pessoa colectiva pública, mas é submetido à aplicação do Direito Privado no exercício da actividade administrativa que lhe fora confiada.

 

A privatização do direito aplicável consubstancia uma verdadeira e própria fuga para o Direito Privado, de que são exemplo as entidades públicas empresariais, que, nos termos do artigo 23, n.º1 do Regime Jurídico do Sector Empresarial do Estado e das Empresas públicas (Decreto-Lei nº558/99, de 17 de Dezembro), são pessoas colectivas públicas, com natureza empresarial, criadas pelo Estado e cujo direito regulador é o Direito Privado.

 

De igual forma, as “fundações públicas de Direito Privado”, previstas no artigo 4º, nº1, alínea c) e nº2 da Lei n.o 24/2012, de 9 de Julho, que aprovou a Lei-Quadro das Fundações, são pessoas colectivas públicas, criadas por iniciativa pública, com património e fim públicos, mas que se regem pelo Direito Privado. As Fundações públicas também fazem parte da Administração indirecta do Estado.

 

Estas entidades integram automaticamente o conceito de Administração Pública (em sentido estrito) graças à sua personalidade de Direito Público.

 

  1. Privatização Formal: Na privatização formal, o exercício do princípio da liberdade de eleição vai no sentido de preferir a personalidade jurídica de Direito Privado, aquando da criação ou transfiguração de um ente que exerce funções administrativas, ou seja, está em causa a alteração da natureza jurídica da entidade e, por isso, uma “privatização dos sujeitos”.

 

Neste caso, apresentam-se-nos pessoas colectivas privadas, que actuam sob a égide do Direito Privado, mas no exercício de funções administrativas, tal como acontece com as empresas públicas. Estas empresas públicas são sociedades constituídas ao abrigo do Direito Comercial, nas quais o Estado ou outra entidade pública possa exercer, isolada ou conjuntamente, directa ou indirectamente, uma “influência dominante”. Acresce que o regime jurídico aplicável a estas empresas é o Direito Privado.

 

3. Privatização da gestão ou exploração de uma função administrativa: À semelhança do que sucede na privatização formal, na privatização da gestão ou exploração de uma função administrativa também ocorre uma transferência da responsabilidade de execução de tarefas públicas, com o inerente exercício privado de funções públicas. Mas, desta feita, essa transferência é operada para entidades materialmente privadas e não apenas formalmente como sucede com as entidades administrativas privadas. Deste modo, a titularidade da função mantém-se pública, mas a sua gestão passa a ser privada.

 

Deste modo fica claro que a administração privada incide sobre necessidades individuais, ou sobre necessidades de um grupo que no entanto não é considerado uma colectividade inteira, ou seja, apesar de ser um grupo a sua necessidade continua a ser considerada como necessidade individual.

 

Na Administração Privada existem necessidades individuais, interesses particulares, contratos entre particulares, investimento privado, existe um lucro de competitividade.

 

As premissas da administração privada são, por sua vez, empregues na gestão de empresas privadas.

 

Os seus fins são particulares, ou seja, têm em vista o desenvolvimento da organização e o benefício de pessoas específicas, como os proprietários ou gestores e os funcionários. Alguns dos principais objetivos da administração privada são a rentabilidade, a competitividade e a integração.

 

Na administração privada não existe interferência de planos políticos e projetos governamentais, pelo que, a sua ligação com o Estado se dá de uma maneira específica separada daquela que orienta a administração pública.

 
   III - Lei-Quadro das Privatizações (LQP)

 

A Lei Quadro das Privatizações é uma lei reforçada que deve ser respeitada pelos diplomas que procedem à reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 1974. A Constituição da República Portuguesa determina no artigo 293º os princípios fundamentais que devem ser observados nesta Lei-Quadro, Considerado, que o efectivo alcance da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de reprivatizações se deve entender reportada à tutela do núcleo fundamental dos princípios constitucionais estabelecidos:

  a) A reprivatização realizar-se-á preferencialmente através de concurso público, oferta na bolsa de valores;

  b) As receitas obtidas com as reprivatizações serão utilizadas apenas para amortização da dívida pública e do sector empresarial do Estado, para o serviço da d/ vida resultante de nacionalizações ou para novas aplicações de capital no sector produtivo artigo 16º e 18º LQP;

  c) Os trabalhadores destas empresas manterão todos os direitos e obrigações artigo 19º LQP;

  d) Os trabalhadores adquirirão o direito à subscrição preferencial de uma percentagem do respectivo capital social artigo 12º LQP;

  e) Haverá uma avaliação prévia dos meios de produção por uma entidade independente;

 

 Segundo o artigo 4º LQP, o processo de privatização inicia-se com a transformação da natureza jurídica da empresa que deverá assumir uma forma jurídico-privada, sociedade anónima, no caso de ser empresa pública. Para empresas públicas regionais temos o artigo 17º. No artigo 5º fala da tal entidade independente, todavia, a sua avaliação não vincula o Governo quanto ao preço de venda a praticar. Caso fosse vinculativa resultaria numa maior transparência e de defesa do interesse público.

 

A natureza de determinadas sociedades do Estado aconselha a venda directa, uma vez que permite assegurar uma correcta valorização do património e alienar ou até a sobrevivência e reestruturação das unidades de produção em causa. Após a escolha da modalidade de venda, a reprivatização da titularidade do capital social será efectuada através da alienação das ações, pelo aumento do capital social da empresa ou, simultaneamente, por ambas as formas.

 

Tradicionalmente, o método mais utilizado nas privatizações tem sido o da dispersão de ações e a ulterior cotação em bolsa. As condições concretas e finais da operação de reprivatização a realizar serão aprovadas por Resolução do Conselho de Ministros 14º LQP.

 

O artigo 13º LQP deve problemas por limitar a aquisição de ações por entidades estrangeiras, sendo que no Acordão COMISSÃO/Portugal de 2002, PT foi condenado pelo TJUE e o artigo foi revogado. Outra questão é do DL 380/93 que subordinava a autorização prévia do Ministro das Finanças a aquisição de mais de 10% do capital com direito a voto em sociedades que viessem a ser objecto de reprivatizações. O TC pronunciou-se pela inconstitucionalidade pois considerou obrigatória a matéria da LQP tudo o que representasse a disciplina do processo de reprivatizações em geral pois o decreto remetia para um ato administrativo, discricionário não seguindo o ímpeto constitucional. Decisão discutível pois o DL aparenta respeitar os princípios do artigo 293º CRP, e deve se entender que a autorização não é uma regulação geral dos processos de privatização, mas antes a matérias conexas que em absoluto, não inovam em relação ao que se encontra na LQP. Contudo, o Decreto-Lei foi revogado.

 

   IV - Privatização de Empresas Públicas

 

A consolidação de uma economia de mercado determinou um processo político que procurou devolver ao sector privado parte do sector empresarial do Estado constituído na sequência das nacionalizações realizadas em 1975. Todavia, a subsistência do princípio da irreversibilidade das nacionalizações na Constituição travava a concretização de um programa de privatizações desejado.

 

Em 1988 por força da Lei nº84/88 foi permitida a privatização de parte minoritária do capital social de sociedades anónimas de capitais públicos, aplicando-se a todas as empresas públicas, incluindo aquelas em que a titularidade do capital não tivesse resultado de uma nacionalização. Por efeito, veio permitir a transformação de empresas públicas em sociedades anónimas de capitais públicos permitindo a ulterior alienação de partições sociais nessas sociedades se realizasse, desde que respeitando três limites:

   a) Não fosse reprivatizado o capital nacionalizado;
   b) A maioria absoluta do capital fosse detida pelo ente público;
   c) Os órgãos sociais fossem sempre maioritariamente representados pela parte pública;


O Tribunal Constitucional considerou que a detenção, pelo Estado, da maioria do capital social implicava a manutenção da propriedade e da gestão em mãos públicas e que consequentemente, não era violado o princípio da irreversibilidade das nacionalizações.

 

Com a revisão constitucional de 1989 que veio suprir este princípio, foi aprovada a Lei-Quadro das Privatizações Lei 11/90. Veio revogar a Lei nº 84/88, sendo que o seu âmbito material ficou limitado a operações de reprivatização, ficando excluídas situações de privatização material que o Estado pretendeu realizar. Segundo Paulo Otero, empresas que nunca transitaram de qualquer outro sector de actividad


 

como as empresas participadas constituídas com capitais públicos e as pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas 296 nº2 Constituição da República Portuguesa. (CRP) Os objectivos essenciais quais a política de reprivatizações se subordina encontram-se definidos no seu art.3º Lei Quadros das Privatizações. A Lei Quadros das Privatizações entrou em vigor em Abril 1990, tendo a primeira privatização o capital de 86% do Jornal de Notícias e depois 51% da Unicer.

 

A lei nº 71/88, seria a lei aplicável a todas as operações excluídas do âmbito de aplicação da LQP, nomeadamente em operações de privatização material, bem como grande flexibilidade pela possibilidade de recurso ao ajuste directo ou à negociação particular que se encontram condicionados na LQP.

 

A lei nº84/88 aplicava-se a todas as empresas públicas, ainda que nacionalizadas. O artigo 1º da LQP determina a aplicação desta lei à reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 1974, segundo 85/ nº1 CRP, apesar de no 28º da LQP determinar a revogação da 84/88. Coloca-se o problema de saber se a 84/88 há-de considerar-se inteiramente revogada ou se há-de fazer-se uma interpretação restritiva ou uma redução teológica que limite a revogação ao domínio comum às duas leis.

Na segunda hipótese, da Lei 84/88 continuaria em vigor quanto às empresas públicas em que a titularidade pública não houvesse resultado de nacionalizações e quanto às sociedades de capitais públicos em que aquelas se transformassem. Sabe-se que a nº84/88 era mais restritiva que a LQP, nomeadamente no âmbito e meios de privatização. Pode-se interrogar se existe, no quadro constitucional, razão para que a privatização de empresas não nacionalizadas obedeça a requisitos mais apertados do que a reprivatização de empresas nacionalizadas podendo concluir-se que a privatização de empresas não nacionalizadas não se deve processar em termos mais apertados do que os da LQP. Este entendimento fundamenta a aplicação analógica da LQP à privatização de empresas não nacionalizadas e a preferência desta sobre a interpretação restritiva do 28 LQP. A questão pode ainda colocar-se quanto à alienação de participações em sociedades resultantes da transformação de empresas públicas. Consequentemente, poder-se-á retomar a hipótese de aplicação analógica da LQP sendo esta a Lei aplicável às situações quer de reprivatizações, por expressa determinação legal, quer de privatizações, por aplicação analógica.

   V - Proposta de Privatização da Caixa Geral de Depósitos (CGD)

Tendo em conta o enquadramento propomos a privatização da Caixa Geral de Depósitos, que passará a reger-se pelos Estatutos das Sociedades Comerciais, por considerarmos ser a politica mais sensata a adoptar, uma vez que:

1. Reduz o peso do Estado na economia;
2. Reduz o peso da dívida pública na economia. Efetivamente, seria uma poupança de dinheiro pelo Estado, que poderia ser aplicado noutro sector;
3. Aumentar a competitividade da CGD. É certo que um privado, por prosseguir o lucro, vai querer tornar a Caixa mais eficiente e competitiva;
4. Amortizar-se a divida pública;
5. Novas aplicações de capital no setor produtivo. Realmente, disponibilizar-se-ia uma verba significativa no Orçamento de Estado, que poderia ser utilizada noutras áreas. Verba de 5 900 000 000 (art.5º/nº1 dos estatutos da CGD).

Assim sendo, solicitamos que seja feita uma avaliação externa nos termos do artigo 5º da LQP, por duas entidades, às quais sugerimos que sejam o Banco Central Europeu (BCE) e a European Banking Authority (EBA), por considerarmos que são as duas entidades bancarias competentes para o efeito.

 

Recomendamos que a privatização seja feita por alienação das acções representativas do capital social do Estado, nos termos do artigo 16º/nº1 alínea a) da Lei-Quadro das Privatizações (LQP) e que seja aberto um concurso público com júri internacional determinado pelo BCE, para decidir a quem irá ser atribuída a venda da CGD, nos termos dos artigos 6º e 7º da LQP.

 

Aconselhamos que para o Estado de modo a poder proteger os contribuintes, faça um acordo de modo a criar uma Acção Privilegiada Pública (Golden-Share) a favor do Estado Português.

 

O processo será completado após aprovação pelo Conselho de Ministros por resolução, de acordo com a lei, as condições finais e concretas das operações a realizar em cada processo de reprivatização.

 

A receita resultante da venda será directamente amortizada na dívida pública nos termos do artigo 16º/nº1 alínea a) da LQP.

 

Recomendamos, assim o seguinte diploma regulador da Caixa-Geral de Depósitos:

 


Artigo 1º

 Natureza e denominação

 1 - A sociedade tem a natureza de sociedade anónima e a denominação de Caixa Geral de Depósitos, S.A. nos termos dos artigos 271º e seguintes do CSC.

 2 - A Caixa Geral de Depósitos, S.A., rege-se pelas normas da União Europeia, pelas leis bancárias e comerciais, assim como pelas leis de direito subsidiário. Em qualquer dos casos na medida em que lhe sejam legalmente aplicáveis, e, ainda, pelo presente diploma.

 3 - Em termos de âmbito de aplicação, aplica-se o disposto no artigo 1º/2 do CSC.

 

Artigo 2º
Personalidade e capacidade jurídica

 Na figura de sociedade anónima, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. goza de ambas personalidade, nos termos do artigo 5º do CSC e capacidade jurídica nos termos do artigo 6º do mesmo diploma.



Artigo 3º

Duração

A sociedade é constituída por tempo indeterminado nos termos do artigo 15º/1 do CSC.


 
Artigo 4º
Sede

 1 - A sociedade tem a sua sede em Lisboa, na Avenida João XXI,63.
 2 - A sede está sujeita ao regime do artigo 12º do CSC.


 
Artigo 5º
Objeto

1 - A sociedade tem por objeto o exercício da atividade bancária nos mais amplos termos permitidos por lei.
2 - A sociedade exercerá também quaisquer outras atribuições que lhe sejam conferidas por legislação especial.
3 - A sociedade pode participar em contratos de associação em participação, em agrupamentos complementares de empresas e em agrupamentos europeus de interesse económico e, bem assim, adquirir, originária ou subsequentemente, participações sociais em sociedades de responsabilidade limitada ou ilimitada.


Artigo 6º
Transformação societária

1 - O presente diploma vem propor a alteração dos capitais exclusivamente públicos da empresa Caixa Geral de Depósitos, S.A. para uma sociedade anónima de capitais privados, nos termos dos artigos 130º e seguintes do CSC e 16º/1 alínea a) da Lei 11/90 de 5 de Abril (Lei quadro das privatizações) e que seja aberto um concurso público com júri internacional determinado pelo BCE, nos termos dos artigos 16º/1 alínea b) e 130º e seguintes do CCP, para decidir a quem irá ser atribuída a venda da Caixa Geral de Depósitos, S.A. nos termos dos artigos 6º e 7º da LQP.

2 – Para efeitos de protecção dos cidadãos contribuintes, o Estado fará um acordo de modo a criar uma Acção Privilegiada Pública (Golden-Share) a favor do mesmo.

3 – Será feita uma avaliação externa nos termos do artigo 5º da LQP, por duas entidades, nomeadamente o Banco Central Europeu (BCE) e a European Banking Authority (EBA).

4 – A receita resultante da venda será directamente amortizada na dívida pública nos termos do artigo 16º/1 alínea a) da LQP.

5 – Este processo é susceptível de aprovação pelo Conselho de Ministros por resolução e de acordo com a lei.

 
Artigo 7º
Capital Social

1 - O capital social é de € 5.900.000.000,00 (cinco mil e novecentos milhões de euros) e está integralmente subscrito e realizado pelo Estado.

2 - A Assembleia Geral deliberará quanto aos aumentos do capital social e respetiva realização que se tornem necessários à equilibrada expansão das atividades da sociedade. 


 

Artigo 8º
Representação do capital social

1 - O capital social é representado por 1.180.000.000 (mil cento e oitenta milhões) ações com o valor nominal de € 5 (cinco euros) cada uma.

2 - As ações representativas do capital social pertencem a ambos os accionistas e ao Estado. 


3 - As ações serão sempre nominativas, podendo ser representadas por um único ou diversos títulos ou revestir a forma escritural. 


 

Artigo 9º

Obrigações

1 - A sociedade pode emitir obrigações ou quaisquer outros instrumentos financeiros representativos de dívida.

2 - A deliberação de emissão de obrigações ou de quaisquer outros instrumentos financeiros representativos de dívida é da competência do Conselho de Administração,

salvo se de outro modo estipulado em lei imperativa.




Artigo 10º

Órgãos sociais

São órgãos sociais, nos termos dos artigos 278º e 281º CSC: 


 a) A Assembleia Geral;

 b) O Conselho de Administração;

 c) O Conselho Fiscal;

 d) A Sociedade de Revisores Oficiais de Contas.


 

Artigo 11º

Independência

Para efeitos dos presentes estatutos e da composição dos órgãos sociais ou das comissões por estes nomeadas, o termo independente terá o significado que lhe seja atribuído pela lei ou por regulamento e, bem assim, pelos regulamentos dos órgãos sociais ou comissões em causa, só podendo, em qualquer caso, ser considerado independente quem não esteja associado a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontre em qualquer circunstância suscetível de afetar a sua isenção de análise ou de decisão.

 

Artigo 12º

Duração dos mandatos

1 - Os membros dos órgãos sociais são eleitos por um período de quatro anos, podendo ser reeleitos.

2 - O número de mandatos exercidos sucessivamente não pode exceder o limite de quatro, com exceção dos membros do Conselho Fiscal e da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas em que se aplica o disposto na lei.

3 - Todos os membros dos órgãos sociais manter-se-ão em funções para além do termo dos respetivos mandatos, até à eleição dos novos titulares.

4 - Não é obrigatória a coincidência de mandatos entre os diversos órgãos sociais.

 

Artigo 13º
Atas

1 - Das reuniões dos órgãos sociais e das comissões criadas pelo Conselho de Administração serão sempre lavradas atas, assinadas por todos os presentes, donde constarão as deliberações tomadas.

2 - As atas das reuniões da Assembleia Geral devem ser redigidas e assinadas pelo presidente, pelo vice-presidente e pelo secretário da mesa da Assembleia Geral.


 

Artigo 14º

Meios Telemáticos

As reuniões dos órgãos sociais poderão realizar-se através de meios telemáticos, cabendo à sociedade assegurar a autenticidade das declarações e a segurança das comunicações, procedendo ao registo do seu conteúdo e dos respetivos intervenientes.




Artigo 15º

Constituição da Assembleia Geral

Nas Assembleias Gerais devem estar presentes os membros do Conselho de Administração e os membros do Conselho Fiscal, bem como a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas nos casos previstos na lei ou nestes estatutos.


 

 
Artigo 16º

Competências

1 - A Assembleia Geral delibera sobre todos os assuntos para os quais a lei e estes estatutos lhe atribuam competência.

2 - Compete, em especial, à Assembleia Geral: 


 a) Deliberar sobre o relatório de gestão e as contas do exercício; 


 b) Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados; 


 c) Proceder anualmente à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade; 


 d) Eleger os membros da mesa da Assembleia Geral, os membros do Conselho de Administração, com indicação do presidente e dos vice-presidentes, os membros do Conselho Fiscal e a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas;
 e) Deliberar sobre alterações dos estatutos e aumentos de capital; 


 f) Deliberar sobre as remunerações dos membros dos órgãos sociais, podendo, para o efeito, designar uma comissão de remunerações composta por três membros independentes e com poderes para fixar essas remunerações; 


 g) Autorizar a aquisição e a alienação de imóveis e a realização de investimentos, uns e outros quando de valor superior a vinte por cento do capital social; 


 h) Tratar de qualquer assunto para que tenha sido convocada.


 


Artigo 17º
Convocação das reuniões

A convocação da Assembleia Geral será feita pelo presidente da mesa, ou por quem o substitua, com pelo menos um mês de antecedência, por carta registada dirigida aos

acionistas e com indicação expressa dos assuntos a tratar.


 

Artigo 18º

Reuniões

1 - A Assembleia Geral reunirá, pelo menos, uma vez por ano e sempre que seja requerida a sua convocação ao presidente da mesa pelo Conselho de Administração, pelo Conselho Fiscal ou pelo Estado.

2 - A Assembleia Geral reunir-se-á na sede social ou no local indicado na convocatória.


 

Artigo 19º

Mesa da Assembleia Geral

A mesa da Assembleia Geral é constituída por um presidente, um vice-presidente e um secretário.


 

Artigo 20º

Composição do Conselho de Administração


O Conselho de Administração é composto por um mínimo de sete e um máximo de vinte membros, incluindo um presidente e um ou dois vice-presidentes.




Artigo 21º

Delegação de poderes de gestão

1 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o Conselho de Administração pode encarregar algum ou alguns dos seus membros de se ocuparem de certas matérias de administração.

2 - O Conselho de Administração delegará numa Comissão Executiva, composta por cinco a nove dos seus membros, a gestão corrente da sociedade, definindo os limites e condições da delegação.


 

Artigo 22º
Competência e funcionamento
1 - Compete ao Conselho de Administração exercer os mais amplos poderes de gestão e representação da sociedade e praticar todos os atos necessários ou convenientes para a prossecução das atividades compreendidas no objeto social.

2 - Compete, em especial, ao Conselho de Administração:


 a) Gerir os negócios sociais e praticar todos os atos relativos ao objecto social; 


 b) Definir a estratégia e políticas globais da sociedade; 


 c) Estabelecer a organização interna da sociedade e elaborar os regulamentos e as instruções que julgar convenientes de forma a assegurar a implementação de adequadas estruturas de controlo interno, gestão de risco, reporte, supervisão e contabilização; 


 d) Contratar os trabalhadores da sociedade, estabelecendo as respetivas condições contratuais, e exercer em relação aos mesmos o correspondente poder diretivo e disciplinar;
 e) Constituir mandatários com os poderes que julgar convenientes; 


 f) Decidir, nos termos do n.º 3 do artigo 5º (Objeto), sobre a participação no capital social de outras sociedades e em contratos de associação em participação, em

agrupamentos complementares de empresas e em agrupamentos europeus de interesse económico; 

 g) Adquirir, onerar e alienar quaisquer bens e direitos, móveis ou imóveis, incluindo participações sociais, e realizar investimentos, quando o entenda conveniente para a sociedade, sem prejuízo do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 16° (Competência); 



 

Artigo 23º

Competência do Presidente e dos Vice-Presidentes

1 - Compete, em especial, ao presidente do Conselho de Administração: 


 a) Representar o Conselho de Administração; 


 b) Coordenar a atividade do Conselho de Administração e convocar e dirigir as respetivas reuniões; 


 c) Assegurar a correta execução das deliberações do Conselho de Administração.

2 - O presidente do Conselho de Administração será substituído nas suas faltas e impedimentos pelo vice-presidente que, para esse efeito, tiver sido escolhido pelo Conselho de Administração.


 


Artigo 24º
Reuniões e deliberações

1 - O Conselho de Administração reunirá, em sessão ordinária, com a periodicidade que o próprio conselho fixar e, em sessão extraordinária, sempre que for convocada pelo seu presidente, por sua iniciativa ou a solicitação de dois administradores.

2 - As reuniões terão lugar na sede social ou noutro local que for indicado na convocatória.

3 - A convocatória pode ser feita por escrito, por comunicação eletrónica ou por simples comunicação verbal, ainda que telefónica.

4 - O Conselho de Administração não pode deliberar sem que esteja presente ou representada a maioria dos seus membros.

5 - Qualquer administrador pode fazer-se representar numa reunião do Conselho de Administração por outro administrador, mediante carta dirigida ao seu presidente, mas cada instrumento de representação não pode ser utilizado mais do que uma vez.

6 - As deliberações do Conselho de Administração serão tomadas por maioria simples dos votos emitidos, tendo o presidente, ou quem o substitua, voto de qualidade em caso de empate.

7 - Faltam definitivamente os administradores que, sem justificação aceite pelo Conselho de Administração, não compareçam a mais de seis reuniões, seguidas ou interpoladas, por mandato.




Artigo 25º

Comissão executiva

1 - A Comissão Executiva é composta por cinco a nove membros, os quais serão designados pelo Conselho de Administração, que designará também o Presidente da Comissão Executiva.

2 - As atividades da Comissão Executiva serão coordenadas pelo Presidente da Comissão Executiva, o qual terá voto de qualidade.

3 - O funcionamento da Comissão Executiva deverá observar as disposições legais aplicáveis e o respetivo regulamento de funcionamento, bem como o que vier a ser definido pelo Conselho de Administração.

4 - Faltam definitivamente os membros da Comissão Executiva que, sem justificação por ela aceite, não compareçam a mais de um quinto das respetivas reuniões ocorridas durante um exercício social.

5 - A delegação de poderes na Comissão Executiva cessará por deliberação do Conselho de Administração ou, automaticamente, quando ocorrer alguma das seguintes situações: 


 a) Substituição do presidente da Comissão Executiva ou da maioria dos seus membros;


 b) Termo do mandato do Conselho de Administração que tenha efetuado a delegação.

 

 
Artigo 26º
Responsabilização da sociedade

1 - A sociedade obriga-se pela intervenção, nos termos do artigo 72º do CSC:


 a) Da maioria dos membros do Conselho de Administração; 


 b) De dois membros da comissão executiva; 


 c) De mandatário constituído, no âmbito do respectivo mandato; 


 d) De um só administrador, no âmbito de negócios celebrados ao abrigo de delegação do Conselho de Administração e dentro dos limites de tal delegação.

2 - Em assuntos de mero expediente bastará a intervenção de um membro da Comissão Executiva.

3 - O Conselho de Administração poderá deliberar, nos termos e dentro dos limites legais, que certos documentos da sociedade sejam assinados por processos mecânicos ou por chancela.

 

 
Artigo 27º
Comissões especiais

1 - O Conselho de Administração da sociedade deverá nomear as seguintes comissões consultivas e de apoio: 


 a) Comissão de auditoria e controlo interno, que terá por função, designadamente, acompanhar a atividade da comissão executiva, o processo de preparação e divulgação de informação financeira e a eficácia dos sistemas de controlo interno, de gestão de riscos não financeiros e de auditoria interna, mas sem prejuízo das competências do Conselho Fiscal nestas matérias; 

 b) Comissão de riscos financeiros, que terá por função, designadamente, acompanhar as políticas de gestão de todos os riscos financeiros conexos com a atividade da sociedade, incluindo os riscos de liquidez, de taxa de juro, cambial, de mercado e de crédito, mas sem prejuízo das competências do Conselho Fiscal nestas matérias; 

 c) Comissão de nomeações, avaliação e remunerações, que terá por função, designadamente, pronunciar-se sobre o preenchimento de qualquer vaga nos órgãos sociais, sobre a escolha dos administradores que deverão integrar a comissão executiva e outras, bem como sobre a sua avaliação e respetiva política de remuneração; d) Comissão de governo da sociedade, que terá por função, designadamente, elaborar um relatório anual sobre o funcionamento da estrutura de governo da sociedade a apresentar ao Conselho de Administração, bem como pronunciar-se sobre questões relacionadas com responsabilidade social, ética, deontologia profissional e proteção do ambiente.
2 - Cada uma das comissões referidas no número anterior será composta por três a seis membros.
3 - Para além do especificamente indicado nas várias alíneas do número anterior, as comissões consultivas e de apoio terão as demais competências e composição que vierem a ser definidas pelo Conselho de Administração, ao qual caberá também definir, através de regulamentos, os respetivos modos de funcionamento.

4 - Salvo se de outro modo estipulado em lei imperativa, a maioria dos membros das comissões consultivas e de apoio será composta por administradores que não integrem a comissão executiva podendo ainda integrar tais comissões membros do Conselho Fiscal.

 

 
Artigo 28º
Benefícios sociais

Os administradores gozam dos benefícios sociais conferidos aos trabalhadores da sociedade, nos termos que venham a ser concretizados pela Assembleia Geral ou, caso tenha sido designada, pela comissão de remunerações.

 


Artigo 29º

Estrutura dos órgãos de fiscalização

A fiscalização da sociedade compete a um Conselho Fiscal e a uma Sociedade de Revisores Oficiais de Contas que não é membro daquele órgão social.

 

 

Artigo 30º
Composição e funcionamento

1 - O Conselho Fiscal será composto por três membros efetivos e um suplente.

2 - Sem prejuízo de outros requisitos legais, os membros do Conselho Fiscal deverão ter as qualificações e a experiência profissional adequadas ao exercício das suas funções, sendo que a maioria deverá ser independente e ter curso superior adequado e elevada competência e conhecimentos nas áreas financeira, contabilística e de auditoria ou conhecimento operacional na área da atividade bancária.

3 - Todos os membros do Conselho Fiscal estão sujeitos ao regime de incompatibilidades previsto na lei.

4 - Cabe à Assembleia Geral eleger os membros do Conselho Fiscal, bem como indicar o respetivo presidente.

5 - Cabe ao presidente do Conselho Fiscal convocar e dirigir as respetivas reuniões, dispondo de voto de qualidade.

6 - O Conselho Fiscal reúne-se, ordinariamente, pelo menos uma vez em cada dois meses, e sempre que o Presidente o entender ou algum dos restantes membros lho solicitar.

7 - As reuniões do Conselho Fiscal deverão ser convocadas pelo respetivo presidente com, pelo menos, cinco dias de antecedência, podendo a convocatória ser feita por escrito, por comunicação eletrónica ou por simples comunicação verbal, ainda que telefónica.

8 - Para que o Conselho Fiscal possa deliberar, é necessário a presença da maioria dos seus membros. As deliberações do Conselho Fiscal são tomadas por maioria simples dos votos emitidos, devendo os membros que com elas não concordarem fazer inserir na correspondente ata os motivos da sua discordância.

9 - Os membros do Conselho Fiscal que, sem justificação aceite, durante o exercício social faltem a duas reuniões do conselho, ou que não compareçam a uma Assembleia Geral ou a duas reuniões do Conselho de Administração para as quais sejam convocados ou em que se apreciem as contas do exercício, perderão o respetivo cargo.




Artigo 31º

Competência

1 - Para além das competências estabelecidas na lei e nestes estatutos, cabe ao Conselho Fiscal: 

 a) Fiscalizar a administração da sociedade; 

 b) Vigiar pela observância da lei e do contrato de sociedade; 


 c) Verificar a regularidade dos livros, registos contabilísticos e documentos que lhe servem de suporte; 

 d) Verificar a exatidão dos documentos de prestação de contas e, em geral, supervisionar a qualidade e integridade da informação financeira constante dos mesmos; 
    e)Fiscalizar o processo de preparação e divulgação de informação financeira; 


 f) Verificar se as políticas contabilísticas e os critérios valorimétricos adotados pela sociedade conduzem a uma correta avaliação do património e dos resultados; 

 g) Elaborar anualmente relatório sobre a sua ação fiscalizadora e dar parecer sobre o relatório, contas e propostas apresentadas pelo Conselho de Administração; 

 h) Fiscalizar a revisão de contas e a auditoria aos documentos de prestação de contas da sociedade; 

 i) Propor à Assembleia Geral a nomeação da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas; 

 j) Fiscalizar a independência da Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, designadamente no tocante à prestação de serviços adicionais; 

 k) Fiscalizar a qualidade e eficácia do sistema de gestão de riscos, do sistema de controlo interno e do sistema de auditoria interna, e supervisionar a execução das funções desempenhadas no âmbito da auditoria interna e sistema de controlo interno; 

 l) Receber as comunicações de irregularidades, reclamações e/ou queixas apresentadas pelos accionistas, colaboradores da sociedade ou outros, e implementar os procedimentos destinados à receção, registo e tratamento daquelas; 

 m) Contratar a prestação de serviços de peritos que coadjuvem no exercício das suas funções, devendo a contratação e a remuneração dos mesmos ter em conta a importância dos assuntos e a situação económica da sociedade.

2 - Compete ainda aos membros do Conselho Fiscal, conjunta ou separadamente: 


 a) Assistir às reuniões do Conselho de Administração e da Assembleia Geral para as quais sejam convocados ou em que se apreciem as contas do exercício; 


 b) Exercer uma fiscalização conscienciosa e imparcial; 


 c) Registar por escrito todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas e diligências que tenham sido efetuadas e seu resultado; 


 d) Dar conhecimento ao Conselho de Administração das verificações, fiscalizações e diligências que tenham feito e do resultado das mesmas; 


 e) Emitir parecer sobre qualquer matéria prevista nas disposições legais aplicáveis ou que lhe seja apresentada pelo Conselho de Administração; 


 f) Colocar ao Conselho de Administração qualquer assunto que por ele deva ser ponderado.

3 - No exercício das suas funções os membros do Conselho Fiscal podem,

designadamente: 


 a) Obter da administração a apresentação, para exame e verificação, dos livros, registos e documentos da sociedade, bem como verificar as existências de qualquer classe de valores e ainda designadamente dinheiro, títulos e mercadorias; 

 b) Obter da administração ou de qualquer dos administradores informações ou esclarecimentos sobre o curso das operações ou atividades da sociedade ou sobre qualquer dos seus negócios; 

 c) Obter de terceiros que tenham realizado operações por conta da sociedade as informações de que careçam para o conveniente esclarecimento de tais operações; 

 d) Assistir às reuniões da administração, sempre que o entendam conveniente.


 


Artigo 32º
Sociedade de revisores oficiais de contas

1 - Sob proposta do Conselho Fiscal, a Assembleia Geral deverá designar uma sociedade de revisores oficiais de contas, registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, para proceder ao exame das contas da sociedade.

2 - A Sociedade de Revisores Oficiais de Contas deverá proceder a todos os exames e verificações necessários à revisão das contas da sociedade.

3 - Para além de exercer as funções previstas na lei e nestes estatutos, a Sociedade de Revisores Oficiais de Contas poderá ainda pronunciar-se sobre quaisquer assuntos a pedido do Conselho de Administração ou do Conselho Fiscal.


 

 
Artigo 33º
Secretário da Sociedade

1 - A sociedade terá um Secretário efetivo e um suplente, a designar pelo Conselho de Administração.

2 - As funções de Secretário são exercidas por pessoa com curso superior adequado ou solicitador.

3 - Em caso de falta ou impedimento do Secretário efetivo, as suas funções serão exercidas pelo suplente.

4 - A duração das funções do Secretário coincidirá com a do mandato do Conselho de Administração que o designe.

5 - Para além de outras funções previstas na lei, compete ao Secretário da sociedade, designadamente: 

 a) Secretariar as reuniões dos órgãos sociais; 


 b) Lavrar as atas e assiná-las conjuntamente com os membros dos órgãos sociais respetivos e o presidente da mesa da Assembleia Geral, quando desta se trate; 


 c) Conservar, guardar  e  manter  em  ordem  os  livros  e  folhas  de  atas,  as  listas de presenças e expediente associado aos mesmos; 


 d) Certificar as assinaturas dos membros dos órgãos sociais apostas nos documentos da sociedade; 


 e) Promover o registo dos atos sociais a ele sujeitos.


 


Artigo 34º
Ano social

O ano social coincide com o ano civil.


 


Artigo 35º
Aplicação de resultados

1 - Os lucros líquidos anuais, devidamente aprovados, terão a seguinte aplicação: 


 a) Um mínimo de vinte por cento para constituição ou reintegração da reserva legal, sem limite; 

 b) O restante para os fins que a Assembleia Geral deliberar, devendo para o efeito o Conselho de Administração apresentar uma proposta.

2 - A sociedade poderá, nos termos da lei: 


 a) Proceder a adiantamentos sobre lucros aos accionistas; 


 b) Atribuir uma percentagem dos lucros do exercício aos trabalhadores e aos membros do Conselho de Administração.





-----FIM DA PROPOSTA-----




Notas de rodapé:

1 -Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional

2 - Desenvolvimento do quadro legislativo, cfr. ANTÓNIO GERVÁSIO LÉRIAS, Evolução do sector empresarial do Estado, in “Estudos sobre o Novo Regime do Sector Empresarial do Estado”, citado, págs. 31-32. A mais profunda das modificações operadas pela revisão constitucional de 1989 traduziu-se na nova redacção dada ao artigo 85º da CRP, que passou a admitir a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados” substituindo o anterior princípio da irreversibilidade das nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 (quanto ao alcance desta inovação, ver GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, pág. 997).


3 - Anunciado no preâmbulo do diploma, que invoca as orientações comunitárias resultantes da Directiva 80/723/CEE, de 29 de Julho, em matéria de transparência financeira nas relações entre o Estado e os entes públicos e as empresas públicas que detenham. Essa mesma definição está ainda presente na Directiva 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores especiais (artigo 2º, n.º 1, alínea b)), bem como na Directiva 93/38/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, que a precedeu (artigo1º, n.º 2).

4 - O artigo 5º do Decreto-Lei n.º 558/99 remete para legislação especial a regulamentação do sector empresarial municipal, que ficou a constar da Lei n.º 58/98, de 18 de Agosto, entretanto revogada e substituída pela Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro, efectuando-se agora a distinção entre empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas. No entanto, a questão da natureza jurídica e das vinculações jurídico-públicas dessas entidades coloca-se em termos similares ao das empresas públicas.


Realizado por:

-Filipa Machado;
-Jaime Correia;
-Marta Catarina Pereira;
-Ricardo Serra;

-Vanessa Costa

 

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    Entendendo a administração pública como uma organização e atividade administrativa mantida pela coletividade, que pretende objetivamente a satisfação das necessidades coletivas com a finalidade de persecução do interesse público, é inquestionável a sua importância e relevância não só no âmbito da função administrativa-burocrática, mas também na função administrativa de cariz jurídico e legislativo. Neste caso, é por isso justificável que a Constituição contemple a organização da Administração Publica na matéria regulada no seu artigo 267.º,n.ºs 1 e 2 e de onde, na prestativa do Professor Freitas do Amaral, podemos subtrair cinco princípios constitucionais:

  • Princípio da desburocratização;
  • Princípio da aproximação dos serviços às populações;
  • Princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Publica;
  • Princípio da descentralização;
  • Princípio da desconcentração.

  O princípio da desburocratização não é um princípio fácil de se aplicar no âmbito da administração, note-se que a própria prática administrativa impõe várias formas e imposições burocráticas nas suas estruturas e métodos de funcionamento. No entanto e indo de acordo com o que refere o Professor Freitas do Amaral, consta da Constituição e por isso tem um carácter impositivo ao legislador. Assim, o princípio pressupõe que a Administração deve ser organizada e funcionar no máximo da sua eficiência, na forma como prossegue os interesses públicos, e de maneira que possa facilitar os particulares em tudo o que lhes é exigido ou deva ser prestado.

  O princípio da aproximação dos serviços às populações bem como o princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública pressupõem a aproximação máxima e crescente dos serviços da Administração às populações bem como a interferência das mesmas em diferentes áreas de funcionamento da Administração.
  No que respeita ao primeiro princípio, este estabelece que as estruturas e serviços da Administração Publica, devem por regra localizar-se o mais próximo possível das populações de forma a garantir sempre um melhor serviço. Sendo que a Constituição ao referir “aproximação”, entende-se que não se referi apenas à posição geográfica, mas também social e humana, ou seja, uma Administração que não só esteja perto fisicamente mas que se interesse pelas aspirações, necessidades, queixas e interesses de todos os que administra. O segundo princípio entende que os cidadãos não devem apenas intervir e ficar “reféns” das eleições para os seus representantes, mas a contrário, devem também participar nas tomadas de decisões administrativas que possam dizer-lhes respeito. O Professor Freitas do Amaral chama aqui a atenção, que não se pretende impor formas de democracia direta como substituição ou eliminação da democracia representativa, o que se deseja é apenas que haja esquemas estruturados e funcionais para a participação ativa dos cidadãos no funcionamento da Administração. Os esquemas estruturais devem, na prespectiva do professor, dividir-se num ponto de vista estrutural e ponto de vista funcional. De ponto de vista estrutural pretende-se que a Administração Pública seja organizada para que existam órgãos em que os particulares participem. É efetivamente uma situação que se verifica, por todas as pessoas coletivas terem, em princípio, esse órgão, veja-se o exemplo do “Conselho Superior”, ”Junta” etc. Por outro lado, o ponto de vista funcional decorre do princípio da participação abrangido pelo artigo 12.º do Código de Procedimento Administrativo, bem como do princípio da colaboração com os particulares, presente no artigo 11.º. [1]

  O princípio da descentralização vem no sentido do que já sabemos ser a descentralização e da sua importância em Portugal como Estado Unitário (artigo nº6,nº1 da CRP). Esta referência reforçada na Constituição da orientação descentralizadora trata-se apenas de uma forma de impugnar no Tribunal Constitucional quaisquer diplomas legais que levem o legislador a prosseguir uma orientação de cariz centralizadora

  Consequentemente, o princípio da desconcentração, também já estudada e num sentido comparado ao da descentralização (apesar de não ser uma figura igual) pretende que a Administração venha a ser cada vez mais desconcentrada, sendo que não estando estabelecido como deve ser seguida essa desconcentração, sou da mesma opinião que o Professor Freitas do Amaral, ambas as modalidades são possíveis: desconcentração legal ou através de delegação de poderes. Há no entanto que referenciar que tanto o princípio da descentralização como da desconcentração, têm na Constituição limites instituídos “sem prejuízo de necessária eficácia e unidade de ação da Administração e dos poderes de direção, superintendência e tutela dos órgãos competentes” , artigo 247.º n.º2 da CRP, fazendo por isso com  que não sejam princípios absolutos.

    Em suma, a meu ver, os princípios da organização da Administração Pública têm no âmbito das funções administrativas e jurídicas, a importância fulcral atribuída a qualquer princípio na norma jurídica portuguesa. No entanto, defendo, tal como o Professor Freitas do Amaral, que não se discute aqui a efetividade que estes têm na Constituição, mas sim a problemática da sua aplicação e da sua fiscalização. As reformas administrativas têm ocorrido, como é defendido pela doutrina em geral e também por o Professor Vasco Pereira da Silva, de forma lenta e nem sempre eficaz. Um dos grandes motivos, se não o principal, diz respeito às mudanças pouco eficazes da lei ordinária e à incapacidade do legislador ordinário de realizar formas para concretizar estes e outros princípios constitucionais.       Atende-se aqui à lógica: como poderão os princípios vigorar se não há forma de os concretizar e efetivar? Uma das possíveis respostas seria evidentemente a fiscalização da inconstitucionalidade pelos órgãos responsáveis para que se pudesse impugnar as respetivas consequências. Contudo é algo que também não se verifica, pois como refere o Professor Freitas do Amaral: “por omissão pouco se têm mostrado reocupados com o assunto”.  É necessário nesse sentido, mudar-se não só a lei ordinária no âmbito na Administração Pública, mas principalmente os meios e órgãos que existam ou possam existir para garantir e fiscalizar a eficiência da mesma.  

 

Laura Machado, nº.21011

[1] Artigo 12º. CPA:” Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares (…) na formação de decisões que lhes digam respeito (…)” ; Artigo 11.º n.º1 CPA: “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em estreita colaboração com os particulares (…) prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos (…) apoiar e estimular as suas iniciativas (…)”

 

Bibliografia:

-FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo Vol. I, 4ª edição, 2015, Almedina.

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Organização Administrativa Portuguesa

por Subturma 16, em 14.12.16

No quadro administrativo da actualidade, a Administração Pública Portuguesa assenta em três grandes divisões administrativas, sendo estas: i) Administração do Estado; ii) Administração autónoma do Estado; iii) Administração independente do Estado.
Antes de classificarmos cada uma destas, cabe-nos o papel de classificar primeiro o que se entende por Estado, pelo menos na sua acepção jurídico-administrativa, a qual nos é relevante para o âmbito do curso. O Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL atribui três diferentes acepções ao conceito de Estado: acepção internacional, que se traduz em Estado como soberano titular de direitos e obrigações na esfera internacional; acepção constitucional, constituindo o Estado como comunidade de cidadãos que, nos termos do poder constituinte que a si própria se atribui, assume uma determinada forma política para prosseguir os seus fins nacionais; por fim e a acepção que nos interessa é a acepção administrativa que classifica o Estado como pessoa colectiva pública que, no seio da comunidade nacional, desempenha, sob a direcção do Governo a actividade administrativa. Os pontos de maior relevância para a acepção administrativa serão nomeadamente a orientação superior do conjunto da administração pública pelo Governo (art. 199/ d) CPR), a distribuição das competências pelos diferentes órgãos centrais e locais, e a separação entre o Estado e as demais pessoas colectivas públicas, entre as quais, as regiões autónomas, as autarquias locais, os institutos públicos, as empresas públicas e as associações públicas. Cabe referir que o Estado na qualidade de entidade administrativa, o Estado exerce apenas um poder constituído, juridicamente subordinado à Constituição e às leis, despindo-se da sua soberania, não tendo ao mesmo tempo poderes constituintes, ao contrário do que se verifica na acepção internacional ou constitucional de Estado.
i) Administração do Estado – A administração do Estado é multiforme e comporta várias espécies e sub-espécies entre si.
Comecemos por distinguir entre administração central do Estado e administração local do Estado. Enquanto na primeira os órgãos e os serviços do Estado exercem competência ao longo de todo o território nacional, no caso da segunda a competência encontra-se limitada a certas áreas (circunscrições). Existem no entanto algumas formas de administração local que não pertencem ao Estado, como é o caso da administração regional e da administração autárquica.
A segunda distinção e talvez um pouco mais relevante ao nível da administração estadual é a distinção entre administração directa do Estado e administração indirecta do Estado. A primeira consiste na actividade exercida por serviços integrados na pessoa colectiva Estado, ao passo que a segunda é uma actividade que embora desenvolvida para realização dos fins do Estado, é exercida por pessoas colectivas públicas distintas do Estado.
i/a)Órgãos do Estado – De modo a cumprir as atribuições que lhe são conferidas pela Constituição e pelas leis, o Estado carece de órgãos, aos quais compete tomar decisões em nome da pessoa colectiva a que pertencem, sendo os principais órgãos do Estado os previstos na Constituição: Presidente da República; Assembleia da República; Governo; e Tribunais. Dos órgãos previstos, o principal órgão administrativo do Estado é o Governo, sendo que órgãos como por exemplo os Tribunais classificam-se como órgãos não administrativos do Estado. O Governo, por sua vez, para além de órgão político, é igualmente um órgão administrativo (art. 182º CRP) a título principal, permanente e directo. As principais funções, enquanto órgão principal da administração central do Estado são: i) garantir a execução das leis (199º/ c) e f) CRP); ii) assegurar o funcionamento da Administração Pública (199º/ a), b), d) e e) CRP); iii) promover a satisfação das necessidades colectivas (199º/ g) CRP). O Governo tem assim a tarefa quer de agir por si próprio quer de mandar outros agir, por ser o órgão superior das hierarquias da administração do Estado, tendo ainda o poder de fiscalizar ou orientar as demais entidades públicas que para além do Estado, fazem parte da Administração. Podemos concluir que o Governo se insere como principal entidade administrativa na administração directa e central do Estado, dirigindo-a, exercendo, no entanto, um poder de superintendência sobre a administração indirecta, controlando as entidades públicas que fazem parte da Administração, sem pertencerem ao Estado.
Ao lado desta administração central do Estado, dirigida pelo Governo, encontra-se a administração periférica/local anteriormente mencionada. Esta, ao contrário do que se possa pensar, nada tem a ver com a Administração autónoma do Estado, na qual se inserem as Autarquias Locais. A administração periférica é composta por órgãos e serviços do Estado, ou de outras pessoas colectivas públicas não territoriais, os quais podem ser tanto órgãos locais do Estado, ou seja, internos/locais (ex: serviços de Finanças pertencentes ao Ministério das Finanças), como órgãos externos do Estado (ex: embaixadas). Relativamente à primeira (administração periférica interna/local) esta assenta sobre 3 ordens de elementos: divisão do território; órgãos locais do Estado; serviços do Estado.
No que diz respeito à Administração indirecta do Estado, esta comporta serviços personalizados, fundações públicas ou entidades públicas empresariais, caso esteja constituída sob forma pública. No caso de estar constituída sob forma privada encontramos as entidades privadas de tipo empresarial e as entidades privadas de tipo não empresarial. A razão de ser da administração estadual indirecta surge do crescente alargamento e da crescente complexificação das funções do Estado e da vida administrativa. Como a racionalização quer de meios quer de pessoal do Estado encontra-se por vezes limitada, foi necessário que outras entidades prosseguissem os interesses e os fins do Estado, daí que se tenham atribuído funções administrativas a estas entidades.
ii) Administração autónoma do Estado – A Administração autónoma pode-se definir como aquela que prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem e por isso se dirige a si mesma, definindo com independência a orientação das suas actividades, sem sujeição a hierarquia ou superintendência do Governo. Em comparação com a administração directa do Estado, enquanto esta [administração directa] está vinculada a um dever de obediência, a ordens ou instruções, directivas ou orientações do Governo, a Administração autónoma auto-administra-se. Dentro desta encontramos várias espécies de entidades públicas, entre as quais: Autarquias Locais (235º CRP); Associações Públicas (157º e 167º CC); Universidades Públicas (76º CRP); e Institutos Politécnicos Públicos. Diferenciando estas das entidades da Administração Indirecta do Estado, enquanto que nestas subsiste um substrato humano, visto serem constituídas por agrupamentos de pessoas, na administração indirecta subsiste um substrato material, levado a cabo pelos institutos públicos e pelas empresas públicas, através de organizações de meios, serviços, patrimónios, estabelecimentos e empresas. Cingindo-nos às Autarquias Locais, estas são um imperativo constitucional, derivado do artigo 235º CRP. Estas têm uma função descentralizadora visto serem juridicamente separadas da figura Estado, exercendo assim um poder local e administrando-se a si próprias, como já foi anteriormente referido.
ii/a) Espécies de autarquias locais – Até 1976 designavam-se como autarquias locais a freguesia, o concelho e o distrito. Após a Constituição de 1976, no entanto, passou a integrar as autarquias locais: i) Os municípios que vêm a substituir os concelhos; ii) As freguesias que continuam como autarquia inframunicipal; iii) Uma autarquia supramunicipal designada de região, que ainda se encontra em desenvolvimento.
Relativamente aos municípios, estes têm três principais órgãos: a Assembleia Municipal (251º CRP); a Câmara Municipal (252º CRP); e o Presidente da Câmara (250º CRP). As freguesias, por sua vez, integram dois principais órgãos: a Assembleia de Freguesia (órgão deliberativo, art. 245º CRP); e a Junta de Freguesia (órgão executivo, art. 246º CRP). As regiões administrativas, pelo contrário, encontram-se previstas pela Constituição (255º e ss CRP), mas a sua existência encontra-se ainda adiada para futuro incerto. Resta acrescentar que as Autarquias Locais encontram-se reguladas pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro – Lei das Autarquias Locais – LAL.
iii) Administração independente do Estado – Por último, mas não menos importante que as outras, encontra-se a Administração independente do Estado, sendo a mais relevante a que diz respeito às Regiões Autónomas.  As regiões autónomas dos Açores e da Madeira são pessoas colectivas de direito público, de população e território, que pela Constituição dispõem de um estatuto político-administrativo privativo e de órgãos de governo próprio democraticamente legitimados, com competências legislativas e administrativas, para a prossecução dos seus fins específicos.
Esta definição deve ser compreendida à luz dos artigos 6º e 225º da CRP, sendo que este último estabelece os fundamentos, os fins e os limites últimos da autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira. Os fundamentos baseiam-se em características geográficas, económicas, sociais e culturais. Os fins que são prosseguidos são os de interesse regional mas que visam também um reforço da unidade nacional. Os limites são os da integridade da soberania do Estado e o respeito pela Constituição. Os seus principais órgãos são de acordo com o artigo 231º/1 CRP a Assembleia legislativa regional e o Governo regional, sendo que o primeiro detém competência legislativa, política através da fiscalização do governo (231º/3 CRP) e administrativa (227º/1 d) e 232º/1 CRP) e o segundo, competência executiva e administrativa, visto este ser o órgão superior da administração pública regional.
Outras entidades integradas na Administração independente do Estado: Entidades administrativas independentes; e exercício privado de funções públicas (sem fiscalização administrativa).

Principal crítica à organização administrativa portuguesa:
Não sendo uma crítica no seu tradicional sentido pejorativo, o sistema administrativo português encontra-se numa espécie de mistura, distinguindo-se o âmbito de intervenção por parte do Governo nas várias modalidades de organização administrativa, através de 3 poderes consagrados na Constituição no artigo 199º/ d): i) direcção; ii) superintendência; iii) tutela. Esta estrutura resulta que em duas diferentes acepções: a) Por um lado é altamente fragmentado, derivado da independência dos órgãos administrativos, praticando estes actos administrativos que melhor se adequam, quer num nível microestadual, através das Autarquias Locais, quer a um nível macroestadual, tendo que ter em conta todas as repercussões que essas actuações possam vir a ter, vinculado sempre ao interesse público; b) Por outro lado, o sistema é unitário, visto que todos os órgãos trabalham para o bom funcionamento Administrativo, e mesmo não havendo actuação directa por parte do Governo em toda a actuação administrativa (o que se revelaria numa actuação administrativa excessivamente onerosa e muito pouco prática), acaba de qualquer maneira por haver certo controlo através da legalidade de todas as acções administrativas, ainda que praticadas de forma desligada do Estado e indirecta, estas encontram elementos de conexão com o mesmo ao prosseguir os seus interesses, auto legitimando-se administrativamente. É possível concluir que, independentemente do tipo de poder exercido por parte do Governo nos vários órgãos e estruturas administrativas, que estas, para serem relevantes no plano da Administração Pública, terão sempre de prosseguir fins de interesse público, sendo este em maior ou em menor dimensão territorial ou subjectiva.

BIBLIOGRAFIA:
-FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo Vol. I, 4ª edição, 2015, Almedina.

Ricardo Serra nº 26122

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