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Percorrendo a história, percebemos que houve muitas alterações em termos administrativos, sendo uma delas o facto de, nos dias que correm, as pessoas não pertencentes à administração já não serem tratadas como meros administrados, como coisas à mercê do Direito, do Estado.

Hoje em dia, o particular é sujeito de Direito e titular de direitos fundamentais que vinculam os entes públicos.

A Administração Pública tem permissão para a satisfação continuada, regular e permanente do interesse público e isso coloca-a numa posição de superioridade.

O interesse público, nas sociedades democráticas, corresponde àquilo que é definido pelos órgãos do poder público, órgãos estes que, nos termos do art.1º da Constituição, se baseiam na dignidade da pessoa humana.

Se do lado da Administração há um interesse público para realizar, no lado do particular há a dignidade da pessoa humana que determina a própria noção de interesse público e que determina todo o poder. E, portanto, aquilo que é novo no quadro do moderno Direito Administrativo é esta ideia de sujeitos do Direito que têm um estatuto igual e que no quadro dessa igualdade estatutária estabelecem relações jurídicas. Todos as relações entre os particulares e a Administração Pública são reguladas pelo Direito, apesar de, dependendo das circunstâncias, haver subordinação de um deles face ao outro.

A Administração Pública, atendendo aos interesses a seu cargo, os interesses públicos, goza de meios de autoridade que lhe permitem, em certas ocasiões, definir unilateralmente o Direito aplicável às situações concretas. O poder que a Administração tem é um poder jurídico atribuído por lei que corresponde a uma função que a Administração tem de cumprir, assemelhando-se a um poder potestativo, porque são produzidos efeitos na esfera jurídica do particular, uma vez que a Administração pode impor unilateralmente a sua vontade, podendo, em caso de desobediência dos particulares, recorrer à força. Como exemplo, temos o caso da necessidade indispensável da Administração construir uma estrada que passa por um terreno particular. Ela tenta primeiro seguir a via da compra e venda entre particulares, porém, se o proprietário não quiser vender, tem a Administração o poder de lhe expropriar o terreno.

Por outro lado, os particulares têm direitos subjectivos, categoria esta que corresponde ao “poder” da Administração.

O que caracteriza genericamente o Direito Administrativo, para Freitas do Amaral, é a “procura permanente de harmonização das exigências da acção administrativa, na prossecução dos interesses gerais, com as exigências de garantia dos particulares, na defesa dos seus direitos e interesses legítimos”.

Para que a Administração consiga prosseguir o seu fim, tem também limites, como, por exemplo, os decorrentes de vinculações constitucionais e internacionais, o que se observa no artigo 266º CRP; de respeitar numerosas restrições, entre elas pode dar-se o exemplo das regras da contabilidade pública que impõem, nomeadamente, razões de boa administração; além de não se poder esquecer que existem necessidades colectivas que, traduzindo o motivo pelo qual o próprio Estado existe, nunca podem deixar de ser prosseguidas pela Administração Pública, inserindo-se neste domínio, desde logo, o princípio do bem-estar, assim como as necessidades colectivas básicas: saúde, ensino, incluindo a garantia de um “direito a um mínimo de existência condigna”.

Qual a função do Direito Administrativo é uma questão que tem sido discutida na doutrina.

As principais opiniões são duas: a função do Direito Administrativo é conferir poderes de autoridade à Administração Pública, de modo a que ela possa dar primazia ao interesse colectivo face aos interesses privados; para outros, a função do Direito Administrativo “é reconhecer direitos e estabelecer garantias em favor dos particulares frente ao Estado, de modo a limitar juridicamente os abusos do Poder Executivo e a proteger os cidadãos contra os excessos da autoridade do Estado”, já que estes se encontram desarmados e ameaçados.

Para Diogo Freitas do Amaral, para Vasco Pereira da Silva e assim como para mim, nenhuma das duas teorias é, em si mesma, verdadeira, uma vez que se considera estarem as duas interligadas harmoniosamente.

Há normas administrativas que conferem poderes de autoridade à Administração, como por exemplo, o poder de expropriar, o poder de punir disciplinarmente, o poder de tributar, o poder de autorizar ou não autorizar. Mas, por outro lado, também há normas administrativas que conferem, nomeadamente, aos particulares direitos subjectivos, interesses legítimos, garantias processuais, como se verifica no direito à informação, no direito de acesso aos arquivos administrativos, no direito à fundamentação dos actos administrativos, no direito a uma indemnização por perdas e danos causados, por exemplo: pelo poder de expropriação que a Administração tem.

Ou seja, a função do Direito Administrativo não é nem só “autoritária” nem apenas “liberal” ou “garantística”, desempenha sim uma função mista: a de legitimar a intervenção da autoridade pública e a de proteger a esfera jurídica dos particulares: permitir a prossecução do interesse público e, ao mesmo tempo, impedir o esmagamento dos interesses individuais; resumindo, “organizar a autoridade do poder e defender a liberdade dos cidadãos”.

Em suma, a nossa ordem jurídica actual é caracterizada por um equilíbrio, por uma paridade, na relação entre poderes e deveres que resulta, em grande medida, para o Professor Doutor Vasco Pereira da Silva, dos traumas da infância difícil (em que o Direito se assumia perante os súbditos, os administrados).

 

 

 

Bibliografia:

Amaral, Diogo Freitas do; “Curso de Direito Administrativo”; vol.I; 3ªed.; Edições Almedina S.A.

Otero, Paulo; “Manual de Direito Administrativo”; vol.I, Edições Almedina S.A.

Silva, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da; “Em Busca do Acto Administrativo Perdido”, colecção Teses; Edições Almedina S.A.

 

 

Adriana Gomes Magalhães

Nº28148

 

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